Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Etiqueta sexual na infância

A difícil tarefa de introduzir o assunto sexo

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Imaginemos dois tipos de pais. De um lado, os herdeiros da revolução sexual dos anos 1960, de outro, os que pularam esse capítulo da história e aterrissaram em 2020 sem escalas.

Dividi-los assim é injusto e caricatural, mas espero que me perdoem o artifício para falar sobre etiqueta sexual com crianças pequenas. Os pais que foram abduzidos direto dos anos 1950 seguem a cartilha adotada pelo governo: “O que eu não falo não existe”. Eles tendem a fazer ameaças, dizendo que se mexer no pipi ele vai cair ou será cortado —clássico freudiano—, vão nascer pelos nas mãos, espinhas nos braços. Meninas ouvem que é feio se tocarem, que as pessoas vão parar de gostar delas, temas que na adolescência criam o terreno para o tabu da virgindade e outras sandices. Isso para ficarmos apenas nas ameaças verbais, abstraindo outras violências.

Os pais menos aterrorizados com a sexualidade, por sua vez, vivem o dilema de como falar para os filhos tirarem a mão das partes pudendas em público sem se sentirem a tia Lydia de “O Conto da Aia” ou a ministra Damares.

Voltemos à etiqueta. No Brasil, usamos garfo e faca, no Japão, usa-se hashi. Não há mérito nessas escolhas, apenas hábitos e convenções. Entre os ianomâmis, estar nu é habitual e transar na maloca próximo aos filhos não é grande coisa. Entre nós, o hábito é o pudor na vestimenta e no sexo. Aprendi com uma mulher boliviana que o parto em sua comunidade tradicional é doméstico, mas não sem roupa. Por outro lado, mostrar os seios em público para amamentar o filho é habitual. Ao chegar no Brasil a confusão estava feita: aqui, durante o parto a mulher fica nua, enquanto que mostrar o seio ao amamentar causa comoção. Acreditar que nosso jeito de lidar com o assunto seja “o” jeito é de um bairrismo fenomenal.

Não se assuste com a precocidade dos filhos. É desde bebês que eles descobrem o prazer de tocar as partes sensíveis —Freud levou muitas bordoadas ao revelar isso. Cabe aos adultos o ingrato papel de dizer o que pode e o que não pode, e isso leva o singelo nome de educar. Preparar o filho para o mundo significa informar, infindáveis vezes, que não tocamos certas partes do corpo em público. Não significa que haja algo de errado com o corpo ou com o prazer que obtemos dele, mas que temos costumes.

Sem grande drama, basta dizer que não se enfia a mão no nariz nem nas calças em público, pois se trata de um combinado. Na fase em que ficam muito fissurados com os prazeres sexuais do corpo, vale insistir nas alternativas como brincar, ler, conversar.

Para quem busca garantias de que colocar limites na exposição e manipulação do corpo na criança não será traumático para a sexualidade dela, sinto ter que dizer que o buraco é bem mais embaixo.

A criança pode não saber o porquê, mas percebe inconscientemente que determinados assuntos deixam os adultos mais constrangidos ou excepcionalmente afetados. Seja sexo, alimentação, sono, aparência, higiene, escola ou o que for, filhos são atraídos por atitudes inconsistentes que apontam nossos enigmas cabeludos. Se sexo é um problema para os pais, isso vai entrar como ruído na conversa. Se não, será só mais uma queda de braço para saber quem manda mais no corpo, o sujeito ou a civilização. Como não há sujeito sem civilização, a resposta é que se trata de uma negociação perene, não isenta de traumas.

Uma dica. Quando a criança não quiser mais que você lhe dê banho, respeite. Os limites de acesso ao corpo infantil são para os adultos também.

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