Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Robinhos, Melhens e Casagrandes

Covardia, autocomplacência e fragilidade são marcas registradas do machão

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Em “O Que É Um Homem?” (Annablume, 2015), Pedro Ambra nos lembra que o termo latim vir (de virilidade) —que diz respeito à valentia, ao caráter guerreiro e à força— tem sido associado especificamente ao masculino. Se pegarmos esses três adjetivos e aplicarmos ao machão de hoje, veremos que a covardia, a autocomplacência e a fragilidade são suas marcas registradas.

Atacar uma mulher desacordada, em posição de subalternidade ou fragilidade e não assumir as consequências é o que vemos sob o rótulo “homem com H” atual. O modelo vendido por Donald Trump, Jeffrey Epstein, Robinho e incontáveis outros é sistematicamente acobertado por empresas, governos e famílias, o que revela ecos profundos nos cidadãos e cidadãs comuns.

Robinho olha para o lado, com a boca semi-aberta
O jogador Robinho, condenado em primeira instância na Itália por violência sexual de grupo - Paul Ellis/AFP

Reza a lenda moderna que homens são sujeitos que se interessam sexualmente por mulheres, vulgo heterossexuais. No outro lado do espectro, estariam os homens que amam e desejam homens, vulgo gays.

A bagunça começa quando se supõe que o que chamamos de homens e mulheres (gênero) estaria diretamente ligado com o desejo por homens ou mulheres (orientação sexual). Como sensibilidade, gentileza e pacifismo estão erroneamente associados às mulheres, essas qualidades tornariam os homens gays.

É igualmente bizarro sustentar a ideia de que mulheres não sejam exemplos de valentia, luta e força. Essas são qualidades humanas, não necessariamente masculinas ou femininas.

O segundo e gravíssimo erro é supor que sendo gays, não seriam homens.

Os estudos sobre gênero desfazem com muita facilidade esses mitos e, por isso mesmo, são perseguidos ostensivamente pelos apavorados de plantão.

Não sabendo como transmitir a masculinidade e ignorando o sentido último da virilidade, pais e mães apelam para clichês de insensibilidade, agressividade e outros estereótipos que supõem garanti-la.

Volta aqui a fantasia de que teríamos poderes sobre o desejo uns dos outros e basta vestir o menino de caubói e ele sairá laçando mulheres. Lembrei subitamente do gatíssimo vaqueiro Rock Hudson, que era gay. No quesito coragem, me veio à mente o casal Glenn Greenwald e David Miranda. Mas também vale lembrar da doçura de Gils, Candidos, Wisniks, Pratas, Emicidas, Duviviers e inúmeros outros homens menos célebres que são exemplos de uma heterossexualidade que não passa pelo macho covarde.

A virilidade do machão é tão tosca e frágil, que só não se torna risível pelo rastro de destruição e morte que deixa para trás.

Um detalhe que escapa muitas vezes aos incautos e que aparece na figura do estupro coletivo, da qual Robinho é acusado com provas cabais, é a parceria sexual dos estupradores. O caso é exemplar de uma cena na qual a mulher está de fora (desacordada, à mercê, um objeto subjugado) e tudo se passa na relação entre os comparsas que se excitam com a ereção uns dos outros —mais bandeiroso impossível.
O machão é uma figura decaída da masculinidade que revela a confusão entre os estereótipos de gênero e o pavor diante da insubmissão do desejo.

Não podendo controlar os desejos —nossos e de nossos filhos—, pais e mães apelam para dessensibilização dos meninos e sujeição das meninas, apavorados com o amor ao igual. Como resultado criam sujeitos violentos, que acabam por matar e ou estuprar e mulheres que raramente têm como se defender.

Homens que se queiram merecedores do termo viril devem se insurgir publicamente contra o discurso machista. Precisamos de mais Casagrandes.

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