Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Falsa simetria entre embriões e mulheres

Não cabe aos que são contra o aborto decidir pelos demais

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Coube às mulheres o lado mais duro da partilha reprodutiva –aquele que compromete seu corpo e sua vida. Como evitar, como interromper, como parir e amamentar foram práticas transmitidas de mães para filhas ao longo da história da humanidade o que lhes rendeu um conhecimento inestimável. Interrupções da gravidez nunca foram fáceis ou agradáveis, pois se trata de procedimento perigoso que acompanha a sexualidade humana –que sempre foi muito mais do que reprodução.

A partir do Renascimento e da crise demográfica na Europa e nas colônias, a obsessão pelo controle da sexualidade e da gestação passou a pautar a relação com as mulheres. O vasto conhecimento feminino sobre o controle de natalidade e das manobras de parto, que antecede esse período, foi considerado bruxaria e as bruxas, como sabemos, foram perseguidas, torturadas e queimadas em nome de Jesus.

Calibã e a Bruxa” (Elefante, 2017) e “O Ponto Zero da Revolução” (Elefante, 2019) de Silvia Federici são leituras básicas para começarmos essa conversa. Sem esse apanhado histórico, ignoramos que o que chamamos de conquista feminina e “progresso” da sociedade tem mais cara de reconquista de espaços duramente perdidos. Só à base de muita violência e séculos de doutrinação é que as mulheres passaram a se identificar com seu lugar de “belas, recatadas e do lar” submetidas à proteção masculina de pais, maridos e chefes. Está aí o feminicídio para escancarar o preço dessa proteção. A passagem de ano foi exemplar da matança feminina causada pelos homens de bem da nossa sociedade pós-moderna.

Quanto às mulheres que não acham que temos o direito de decidir se levaremos uma gestação a frente ou não, pois embriões serão mortos, alerto que esse raciocínio elimina convenientemente o número alarmante de mulheres que morrem tentando interromper uma gestação indesejada –pobres e negras em sua imensa maioria. Nós, brancas e ricas, continuamos a fazê-lo com toda segurança. Eu fiz.

Quem argumenta que teríamos que investir mais em prevenção está certo, desde que não ignore que ela jamais será total, salvo se fizermos vasectomias e laqueaduras em toda a população sexualmente ativa. Prevenção e direito de escolha é o que comemoramos nas conquistas argentina e sul-coreana, não a morte de embriões.

Para mim, que estudo e prezo a maternidade/paternidade, considero alarmante confundi-la com uma gestação socialmente imposta pelo fato biológico. Embriões não são crianças. Caso o fossem, não haveria cemitérios suficientes para enterrarmos os incontáveis abortos de ínicio de gestação que as mulheres sofrem espontameamente.

Além disso, as estatísticas estão do nosso lado, revelando que o direito de escolher diminui o número de abortos –clandestinidade nunca foi boa conselheira. E, o mais importante, diminui o número de morte de mulheres. Sugiro as inúmeras publicações da doutora Debora Diniz, entre outros, com estudos estatísticos para comprová-lo.

Para aqueles que argumentam que minha mãe deveria ter me abortado –um clássico, sempre que toco no assunto–, respondo de antemão que caso ela o desejasse, deveria ter podido fazê-lo. Para as mulheres que acreditam que embriões são pessoas de pleno direito sugiro que não abortem. No entanto, não lhes cabe decidir pelas demais. Para os homens que são veementemente contra o aborto, sugiro a vasectomia –uma vez que não se deram ao trabalho de pesquisar a pílula masculina e camisinha é uma furada.

(Estou de férias, mas não pude me furtar a essa discussão.)

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