Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Djamila veste Prada

O incômodo que uma intelectual negra causa em redutos proibidos

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Djamila Ribeiro causou rebuliço ao desfilar para uma campanha da Prada ostentando bolsa de R$ 16 mil. A discussão que se seguiu ao lançamento do produto é pertinente, pois feminismo antirracista e capitalismo são inconciliáveis. O capitalismo não sobrevive sem a exploração de sujeitos vulnerabilizados e o racismo e a misoginia lhe servem de base. Quem luta contra essas injustiças luta contra o capitalismo e sua versão mais nefasta, neoliberal.

Uma sociedade mais justa depende da criação de novas formas de convívio social para além do modelo atual, cujo colapso pode ser testemunhado pelas sucessivas crises, cada vez mais catastróficas. Trata-se de almejar o ineditismo e não da reprodução dos fracassos anteriores. Mas, enquanto debatemos e sonhamos com novas formas –como os republicanos sonharam com saídas para o poder monárquico–, estamos sobrevivendo no lamaçal de desigualdades e de violências que bem conhecemos.

Como sustentar a militância feminista e antirracista, com sua necessária articulação anticapitalista, no gesto da filósofa militante? Primeiro, imagino já termos superado o falso dilema do “socialista de iPhone”. Ficou conhecida assim a discussão de quem pensa que sonhar com uma sociedade menos injusta significa socializar a pobreza e correr para debaixo da ponte –que está lotada, por sinal. Pelo contrário, trata-se de reconhecer que todos temos direito a uma vida digna e que uma cultura que prioriza a extravagância das viagens espaciais em detrimento de questões de sobrevivência mundial coloca suas fichas na própria extinção.

Mas a engrenagem na qual chafurdamos não nos permite grandes bravatas em nome do purismo. Se escrevo num jornal, que é uma empresa gigantesca, se divulgo um livro (editado por outra empresa), se apareço em diferentes mídias (conglomerados de proporções mundiais) estou ciente de divulgar esse produtos. Ainda assim, tenho a pretensão de estar nesses lugares disputando espaço com a tosquice para confrontá-la. Foi-se o tempo da tão sonhada sociedade alternativa; nos resta encarar alternativas na sociedade.

Djamila, intelectual cuja atuação notória lhe rendeu o título de uma das pessoas mais influentes da atualidade, se atreveu a aceitar o convite para ser garota propaganda de um ícone do luxo. No olho do furação desse mercado para privilegiados, cuja única razão de existir é a de conjugar produtos e serviços a preços exorbitantes com a finalidade de marcar o lugar social de quem os possui –motor indelével do consumismo capitalista. Compra-se o produto de marca tal menos por sua qualidade intrínseca do que por indicar a condição social diferenciada, garantindo a separação entre o proprietário e os demais mortais.

Existem muitas mulheres negras que podem comprar artigos de luxo, mas em geral são estrangeiras, atletas renomadas, top models, artistas de sucesso. São exceções toleradas pela branquitude. Só que Djamila é uma mulher negra, brasileira e intelectual, três lugares que juntos tornam proibitivo esse tipo de associação. Djamila veste Prada e assombra a branquitude e o ativismo por sua liberdade de frustrar expectativas, cutucar moralismos e produzir reflexão. Não se trata de incensar o luxo, pois o sonho das mulheres não é de bolsas, mas da circulação desimpedida em espaços que lhes são normalmente interditados. Djamila vai aonde supostamente não poderia ir porque ela assim o deseja, e isso interessa às mulheres e, mais ainda, às mulheres negras.

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