Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Quem decide se teremos filhos?

Direitos reprodutivos são batalha campal entre cidadãos e Estado

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Reza a lenda que sonhamos em ter filhos, encontramos o par ideal e decidimos o número certo: um casal, óbvio! Dessa ideologia se depreende que a prole é fruto de um desejo espontâneo e original. Não soa estranho, então, que cada geração almeje configurações familiares distintas?

Se nos anos 1950 e 1960 os bebês estavam em alta e as famílias com meia dúzia de filhos eram bem vistas, as décadas seguintes viram o desejo por filhos arrefecer, tendendo a um e zero. Cada época e cultura é regida por uma bolsa de valores da família e dos bebês, incluindo o mercado filial de gênero. Vai levar menina ou menino?

O desejo de ter filhos responde por nossa identificação com nossos pais, pois vemos neles o poder divino: produzir humanos. Mas não é verdade que esse desejo tenha que ser concretizado com filhos reais. Entre as brincadeiras de boneca e a idade na qual poderemos decidir tê-los de fato, um leque infindável de outras realizações pessoais se apresentará aos sujeitos. Há muitas outras formas de criação, de identificação e de superação dos pais, pois a essa altura se espera que sejamos capazes de reconhecê-los como mais do que progenitores.

Bebê recém-nascido - Spass/stock.adobe

Para quem acha que a decisão de não ter filhos é egoísta, fica a dica de que tê-los é um dos nossos gestos mais narcisistas, já denunciava Freud. Ter filhos para se medir com os pais é tão prosaico quanto tê-los por amor às crianças —fase mais fugaz da parentalidade. Desejos sempre se baseiam em aspirações pueris e inconscientes, ainda que possam levar a realizações grandiosas.

Sem filhos seremos menos felizes? Pesquisas revelam não haver diferença de satisfação entre pessoas que os tiveram e as que não, desde que se trate de escolha e não de imposição. Artigo mostra que a satisfação de quem tem filhos só chega a ser maior do que os que não os têm depois que os pimpolhos saem de casa!

Mais interessante é a correlação entre satisfação com a parentalidade e as condições sociais favoráveis à sua execução, revelando que não se trata apenas de assunto de foro íntimo, mas essencialmente social. Onde não há apoio social, a relação com a maternidade/paternidade é bem menos gratificante e, portanto, mais evitada. Se uma geração vai colocar mais fichas na prole é porque o desejo pessoal encontra suporte discursivo e material para fazê-lo.

Como toda sociedade, precisamos que nasça uma nova geração de crianças para nos substituir, mas, diferentemente de culturas mais visionárias —que visam nossa preservação—, não criamos a menor condição para que pais e mães realizem essa tarefa.

O impasse exige que o poder público e a sociedade como um todo assumam o protagonismo no suporte às próximas gerações. Longe disso, o que temos são aberrações políticas e as violações naturalizadas do direito reprodutivo ao gosto da Gilead. Caso da exigência de consentimento de maridos/esposas para esterilização cirúrgica do cônjuge, baseada na anacrônica lei 9.263 sobre planejamento familiar. Ele serve de falsa justificativa para que os planos de saúde explorem seus associados, em mais um abuso a ser denunciado.

Mas essa é só a ponta do iceberg do desrespeito ao direito reprodutivo, pauta feminista fundamental.

Trata-se de uma guerra entre cidadãos e Estado, em que a maioria absoluta das vítimas são mulheres e crianças, mas da qual a sociedade como um todo não escapa.

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