Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Ter medo do pai

A parentalidade cria uma chance excepcional de encararmos o que nos rege

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O feminismo, sem o qual o Talibã seria a regra e não a exceção, pauta a atual crise da masculinidade. Um dos pontos cruciais desta crise é o lugar do homem junto à prole. (Só lembrando que jogos de poder não são exclusividade de relações heterossexuais!)

Se antes o pai hegemônico era aquele que chegava no fim do dia para aplicar o castigo pelas traquinagens dos filhos —que ele nem havia presenciado—, hoje a realidade é bem mais variada. Há pais solo, guardas compartilhadas, casais que dividem as tarefas equanimemente.

O pai temido, que detém um poder desmedido, ditatorial, bem ao gosto do patriarcado, deu lugar à aspiração por um pai sensível e capaz de dialogar. Como qualquer mudança de mentalidade, essa transformação encerra suas próprias contradições e efeitos deletérios.

Pai e filho em praia de Bali, na Indonesia - Sonny Tumbelaka/AFP

Que fique claro: não há criação de filhos que seja livre de sintomas, desencontros e sofrimentos, porque essa é uma condição intrínseca às relações humanas. Isso não significa que não devemos nos dedicar a refletir sobre como lidar com elas. Mas fingir que existiria uma parentalidade garantida e isenta de sofrimentos é uma das maiores fontes de adoecimento da atualidade.

Pais e mães, assumindo que deveriam e poderiam tudo prever e corrigir, entram em parafuso quando se deparam com a vida como ela é. Dessa pretensão recolhem hesitações sem fim por medo de errar ou, ainda, desistem até de tentar, sendo negligentes.

A nova paternidade, aberta ao diálogo e sensível aos filhos, carrega o fantasma do autoritarismo que a precedeu. Sabemos que o temor de ser autoritário —arbitrário, injusto e violento— deu lugar à hesitação do uso da autoridade necessária para educar —colocar limites, impor regras, marcar a diferença de gerações. De fato, o que mais se vê é a oscilação entre a permissividade, para não ser odiado pelo filho, e o autoritarismo, por se tornar insuportável conviver com uma criança mal educada.

O medo do pai não acabou, mas ganhou nuances.

Na clínica é recorrente a descoberta de que o contato corporal entre o homem e as crianças causa aflição. São sonhos, lapsos que revelam que a imagem do pai violento se mistura à fantasia do pai lascivo e sexualmente abusador. Descartado o abuso real, resta questionar a origem do mal-estar. A primeira pergunta costuma ser “será que fui abusada/o na infância e agora vejo abusos em todo lugar?” Raramente se trata disso.

O pai é aquele que vem separar a mãe do bebê, aquele que introduz o terceiro da relação, necessário para que mãe e filho sigam seus caminhos para além da parceria inicial. Embora essa função seja exercida por outros sujeitos na mesma posição —não precisa ser homem, nem cis ou hetero—, é a figura do pai que leva a fama.

Nesse sentido, ele é sempre tido como violento —mesmo quando está longe de sê-lo— pois corta e separa. Também é tido como sexualmente abusivo, como se não fosse capaz de se conter diante dos filhos, incapaz de ser protetivo como uma mãe. A criação de filhos é carregada de afeto e erotismo, e a nossa cultura se mostra cada vez mais inábil para lidar com esse tema, projetando o fantasma da pedofilia em cada sombra. Pais e mães têm nessa incômoda questão uma chance excepcional de encarar as fantasias inconscientes que os regem.

Neste temerário 7 de setembro, testemunharemos os efeitos deletérios da recusa em encarar os fantasmas da sexualidade, do amor e da agressividade. Eles desfilarão pelas ruas sob nosso olhar atônito, provando que a alienação não é uma questão só individual.

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