Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Sapos, filhos e cachorros

Cada fase da parentalidade impõe um desafio inédito

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Muitas pessoas dizem que não podem ter filhos, quando na verdade querem dizer que não podem tê-los a partir do próprio corpo, com sua carga genética. O subentendido ocorre porque costumamos reduzir a parentalidade à reprodução de corpos, esquecendo que filhos têm diferentes procedências.

“Quero ter um bebê”, frase tão corriqueira, é mais um exemplo de uma curiosa redução. Equivale a dizer “quero ter girinos”, quando de fato se trata muito mais de criar sapos. A depender do alcance do desejo, alguns pais/mães nunca se recuperam do fim da infância dos filhos, sonhando com pequenos eternizados.

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Mãe faz carinho na filha - fizkes - stock.adobe.com

Filhos vêm de diferentes lugares e nem sempre chegam a nós nos primórdios mas, seja quando for, podemos contar com tumulto, transformações, choro e ranger de dentes. A depender do início da jornada, um tanto de sorte e nossa própria longevidade, seremos pais de bebês, de crianças, de adolescentes, de jovens adultos e de velhos.

A cada fase desafiadora, nos caberá criar repertório inédito para lidar com um sujeito que vai ficando cada vez mais crítico e exigente. A crítica é o pesadelo dos pais de adolescentes, enquanto os filhos têm por ocupação usar os pais como primeira baliza. Somos os modelos mais próximos e importantes, portanto, os mais sujeitos a ouvir palpites e receber avaliações implacáveis.

Além disso, com nosso envelhecimento, fica provado que não nos tornamos exatamente aquilo que fantasiamos vir a ser. Vai ficando cada vez mais difícil justificar o injustificável da nossa existência para nós e para eles.

Temos insatisfações no trabalho, ambivalências na vida amorosa, insistimos em amizades anacrônicas, cultivamos hábitos insalubres e lá estão os fiscais do comportamento alheio para nos lembrar disso diuturnamente. É como se os anos de infinitas ordens e responsabilizações intrínsecos a qualquer processo educativo fosse interpretado como estelionato eleitoral. A credulidade infantil dá lugar a uma desconfiança de que os pais nunca estiveram à altura do cargo. E se não podemos evitar sermos tão distantes do ideal que nos persegue, tampouco podemos impedir que os filhos descubram essa farsa, da qual não escaparão também. Ganha quem não se apegar demais à imagem a ponto de disputá-la. Mas também quem tiver consideração e respeito pela condição humana, nossa e deles.

Chegamos, então, à fase na qual não há mais adolescentes em casa, apenas adultos dividindo espaços, hábitos e afetos. Adultos com status diferentes uma vez que se os filhos já pudessem assumir integralmente os custos de uma casa, provavelmente não morariam mais com os pais. A casa acaba por responder mais aos anseios dos últimos, que a construíram segundo suas metas e possibilidades e, frequentemente, lá permanecerão.

Nesse ponto nos perguntamos se a jornada que começa com a falsa premissa de ter um bebê –nosso adorável e saudoso girino– terá valido a pena depois do esculacho e queda de braço da adolescência. Ou ainda, quando a passionalidade adolescente não opera mais, mas sim a delicada convivência entre adultos com diferentes anseios sobre o mesmo teto. Como é descobrir que na parentalidade começamos príncipes e terminamos sapos?

Se os humanos, com suas pequenas glórias ordinárias, inseguranças pueris, disputas patéticas e surpreendente capacidade de amar e aprender te encantam e inspiram a cuidar, a parentalidade pode ser uma campo fértil para você (mas não o único).

Mas, se você quer ser amado incondicionalmente e seguido com louvor, sugiro cachorros.

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