Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente

É hora de falarmos de sexo com as crianças

Precisamos nos perguntar como é possível que uma criança engravide outra

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Não conheço pai, mãe ou educador, dignos de suas responsabilidades, que não busquem proteger as crianças de informações sexuais impróprias. Faz parte de suas preocupações o medo de expô-las a experiências precoces e traumáticas, a gravidezes indesejadas e a doenças sexualmente transmissíveis.

Mas o fato é que, mesmo com todo zelo e boa intenção, as crianças têm tido acesso irrestrito a informações equivocadas ou incompletas sobre sexo, além de pornografia. Seu filho não tem celular? Não se iluda, basta qualquer criança de seu convívio ter. Além disso, as ideias promovidas nas redes fazem parte do caldo de cultura no qual estamos inseridos que revelam a hipocrisia de uma sociedade que se diz libertária, quando de fato tem sérios problemas quando se trata de sexualidade.

Somado ao acesso a material inadequado, cuja solução depende de regulação midiática, conscientização e ações coletivas difíceis de implementar, enfrentamos outros dilemas. Muitas famílias acreditam que falar sobre o assunto com crianças e jovens seria incutir na cabeça deles algo que eles desconhecem.

Professora abre preservativo em aula de educação sexual do colégio Beatíssima, em São Paulo
Aula de educação sexual do colégio Beatíssima, em São Paulo; na hora de falar sobre sexo com as crianças, é mais producente contar com adultos próximos e confiáveis como tios/as, padrinhos/as e professores - Karime Xavier - 3.dez.18/Folhapress

Então, temos de um lado a violência das redes sociais atravessando a vida das crianças sem mediação e, de outro, o silêncio alienado dos adultos que não sabem o que fazer com a temática sexual. Alguns ousam educar, mas acreditam que basta informar os aspectos anátomo-fisiológicos e a missão está cumprida. Falar de sexo não é só falar sobre o que órgãos e suas funções, dados necessários, mas insuficientes. Estão em jogo aqui temas fundamentais como: consentimento, desejo, identidade, responsabilidade, amor, respeito, violência, gravidez e doenças.

Freud alertava para o fato de que os pais costumam se embananar com suas próprias angústias diante dos filhos, não sendo as pessoas mais indicadas para abordar a questão da sexualidade. Nessas horas, é mais producente contar com adultos próximos e confiáveis como tios/as, padrinhos/as e professores.

Além disso, antes de pensar em trazer-lhes mais informações, é imprescindível escutá-las e fazê-las refletir sobre os estímulos a que já estão submetidas. Conteúdos extremamente machistas próprios da estética do pornô, por exemplo, incrementam a violência contra meninas, num mundo no qual a mulher não é sequer sujeito. Meninos também estão expostos a abusos sexuais e pressão para reproduzir comportamentos aviltantes.

Famílias nas quais o recato desemboca em omissão correm risco de deixar as crianças à mercê de sua curiosidade, excitação e ignorância, ou seja, totalmente desprotegidas. Hipersexualização conjugada com o silêncio pernicioso dos adultos explicam muitos casos aberrantes nos quais uma criança engravida outra. Junte-se a isso políticas públicas que apostam na abstinência voluntária, ao invés de promover e oferecer meios de proteção e teremos a encruzilhada sexual inédita na qual nos encontramos.

A criminalização do aborto e sua obstrução em casos previstos pela lei revela que quando as coisas não saem como esperado, o Estado comparece para deixar ainda mais sem saída quem já vinha desprotegido. A cereja do bolo é a condenação moral de quem, para não abortar, entrega em adoção uma criança não desejada, como vimos no caso da jovem Klara Castanho. Depois de uma gravidez excruciante, decorrente de estupro, a jovem de 21 anos teve seu prontuário vazado e, o que considero ainda pior, sua decisão de entregar o bebê em adoção julgada no tribunal da internet.

Todos esses são sinais inequívocos de que estamos a anos-luz de qualquer ideia de liberdade sexual, confundida com exibicionismo e violência. Urge falar sobre sexo com nossas crianças tanto na esfera pública, quanto privada.

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