Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente universidade

Ciência e antirracismo

Apesar da profunda desigualdade, muitos ainda negam a existência do racismo no país

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Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Edilza Sotero, professora de Educação na UFBA (Universidade Federal da Bahia).

O combate ao racismo, na ordem do dia na sociedade brasileira, vem suscitando debates em espaços acadêmicos e não acadêmicos, e isso se deve a um conjunto de fatores. Destaco o aprofundamento de desigualdades raciais no contexto da pandemia, a maior visibilidade de casos de violência racial no Brasil e em outros países nos últimos anos, e a multiplicação de atores na esfera pública enfatizando a importância da luta antirracista.

Empregar a ciência no combate ao racismo deve ser parte de um esforço coletivo, não apenas para oferecer caminhos para a sociedade, como para promover mudanças no campo científico. A ciência cumpre um papel básico para o progresso na sociedade, sem dúvida, mas a serviço de quem está o progresso que ela produz?

Aperto de mão entre uma pessoa negra e uma branca
Freepik

No espaço da ciência onde me insiro, na interface entre sociologia e educação, a preocupação se volta para a formação escolar e a observação de como o racismo estrutura as desigualdades. A maioria das pessoas negras tem oportunidades educacionais mais limitadas que pessoas brancas de mesma origem social, e, quando têm nível de escolarização equivalente, a inserção no mercado de trabalho e a renda de negros são proporcionalmente menores que as dos brancos.

Apesar da profunda desigualdade, muitos ainda negam a existência do racismo. Como diz a professora Nilma Lino Gomes, "no Brasil, o racismo se afirma através da sua própria negação". Ainda que muitas vezes negado, ele está presente na reprodução de discursos e práticas que resultam em tratamento diferenciado e ações marcadamente discriminatórias. Para combatê-lo nos sistemas escolares, no cotidiano das escolas, urge reconhecer e enfrentar o epistemicídio, que Sueli Carneiro define como a "negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento".

A despeito dos desafios, precisamos atentar para os avanços que o antirracismo vem produzindo na educação: poderíamos citar os quase 20 anos da lei 10.639, mesmo com a marcha lenta para sua implementação, ou a diminuição gradual da diferença entre os anos de escolaridade média de brancos e negros. Mudança com impacto significativo, porém, inclusive nos espaços de produção científica, é a instituição de políticas de ações afirmativas no ensino superior.

Nas universidades públicas, responsáveis de forma majoritária pela produção científica no país, as ações afirmativas são uma realidade há 20 anos. Fruto da mobilização histórica do movimento negro e palco de embates na esfera pública, a demanda por democratização não se limita ao ingresso e permanência de estudantes pretos, pardos e indígenas: ela é parte de uma engrenagem que se move em um movimento de redefinição da própria universidade, passando por áreas como currículo, pós-graduação e carreira docente.

Em recente debate com a escritora Conceição Evaristo, a professora norte-americana Ruha Benjamin explicou que não devemos confundir toda inovação tecnológica com progresso social. Estendendo essa reflexão para a ciência em geral, defendo que uma ciência que não esteja engajada na construção de esforços de combate ao racismo e a toda e qualquer forma de discriminação não trabalha para o progresso social. O compromisso deve mobilizar toda a comunidade científica e, em larga escala, toda a sociedade.

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