Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Eleições 2022

Saúde mental e eleições

Saúde mental nunca foi assunto de foro estritamente pessoal

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Estamos às vésperas de nossa eleição mais importante desde a redemocratização. Verdadeiro plebiscito sobre a continuidade ou a ruptura democrática, revelando que não somos a sociedade cordial que fingimos ser ao negar 500 anos de violência fratricida.

Candidatos ao legislativo decentes —sim, eles existem e não são poucos— têm se dedicado a debater com profissionais da saúde mental e outras categorias. Tive a honra de participar de algumas dessas reuniões, nas quais se pôde escutar trabalhadores do SUS, de coletivos de saúde e da iniciativa privada trocarem experiências importantes sobre o tema.

A palavra saúde é espinhosa para a psicanálise pois, desde o início, Freud deixou claro que saúde e normalidade não são coisa do nosso mundo, tomado pelas paixões, por pathos, que dá origem à palavra patologia. Sem qualquer apologia à doença, devemos admitir que de perto, de perto... Bem, vocês sabem. Então, não se trata de produzir mais diagnósticos, CIDs e DSMs, mas de promover condições de cuidado que impeçam que o sofrimento ordinário da vida nos adoeça e cronifique. O caminho que a psicanálise descobriu para transformar pathos em vida e entusiasmo é a escuta.

Ilustração de um homem pensativo, com os olhos fechamentos e a cabeça pendente sobre uma mão
Claudia por Pixabay

Uma das batalhas de Freud no campo da saúde mental foi lutar para reverter a ideia hegemônica de que soldados traumatizados pela Primeira Guerra Mundial seriam covardes e não sujeitos afetados por situações de extrema violência. Ao escutarem esses homens, psicanalistas foram capazes de reverter sintomas incapacitantes, pois o tratamento partia do reconhecimento social do sofrimento.

Psicólogos, psiquiatras, educadores, assistentes sociais e médicos testemunham no seu dia a dia o efeito das condições materiais de vida na saúde mental. Ter casa, comida, roupa, um trabalho, acesso à saúde e à educação são direitos inalienáveis do cidadão, garantidos por nossa vilipendiada Constituição de 1988. Além do estresse de ter a vida ameaçada por impensáveis condições, o lugar de irreconhecimento, de invisibilidade, de humilhação é tão adoecedor quanto a própria insegurança alimentar.

Vimos a humilhação pela qual passou a senhora Ilza Ramos Rodrigues, ao ser filmada não recebendo uma cesta básica por votar no candidato que o doador não aprovava, sendo respondida com indignação pela mídia. Mais do que comida, essa senhora recebeu um olhar de reconhecimento inestimável, ainda que tardio e pontual.

Não é de se surpreender, então, que coletivos de resistência à violência de Estado (por ação ou omissão), nos quais as pessoas podem falar, ser escutadas e agir juntas, se revelem potentes contra a apatia, a depressão e outras formas de adoecimento. Admitir que a patologia social tem relação direta com o adoecimento individual permite que o sujeito não se identifique com o lugar social que lhe impõem e passe a encontrar saídas junto a outros na mesma situação.

Para promoção da saúde (pela escuta), do reconhecimento social e do cuidado com o sofrimento humano, mas também para o tratamento da doença mental, temos essa maravilha internacionalmente reconhecida que se chama SUS. Filhote da Constituição de 1988, difamado pelas elites ignorantes teve seu lugar resgatado pelo papel inacreditável que foi capaz de desempenhar durante a pandemia, mesmo ultra sucateado.

O SUS é o eixo que deve servir de pivô para se pensar a saúde mental de um país adoecido por não tratar de seu sofrimento histórico e suas decorrentes mazelas sociais. Não é para ser privatizado, mas para ser defendido como política pública de saúde.

Tendo o SUS como norte e estabelecendo redes de mútuo apoio com coletivos de saúde psicossocial, a sociedade civil e a iniciativa privada socialmente consciente, não precisamos reinventar a roda.

Mas teremos que lutar juntos para que ela volte a girar.

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