Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente

Mais Eudes, menos Lemanns e associados

Se os 'melhores' vencem, faltou explicar como são definidos os melhores

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Passado o Carnaval, o ano está oficialmente começando no Brasil. Hora de iniciar a dieta, a carreira, o casamento ou seja lá o que se estava enrolando para fazer. Mas atenção! Seja qual for a decisão que for colocada em prática a partir de agora, não esqueçamos da piada do elevador. O cara entra no elevador e o ascensorista pergunta para qual andar ele vai. Ao que ele responde que tanto faz, porque ele está no prédio errado mesmo.

Subir, subir, subir tem sido a tônica dos que sonham em progredir na vida, mas o divã está lotado de gente que "chegou lá" e se viu na cobertura do edifício errado. Ouvindo o canto das sereias das obviedades, seguem a vida sem reflexão, casando, trabalhando, tendo filhos sem que nenhuma dessas ações seja questionada. Só o sintoma os permite parar para repensar uma vida que se mostra profundamente insatisfatória. Seria apenas um assunto de foro íntimo sobre as escolhas alienadas de cada um se não houvesse uma vertente coletiva dessa cegueira que serve de caldo para a primeira.

Ilustração de Orlando sobre terapia - Orlando

Nossa sociedade se recusa a admitir que não só subiu no prédio errado como o está implodindo, ainda que dependa dele para existir. Vladimir Safatle escreve na apresentação de seu curso com o sugestivo nome de "Crise ecológica, crise psíquica e o fim do progresso" sobre a ideia de progresso que nos assola, ou pior, soterra. Em nome dele a civilização que dominou o mundo nos últimos séculos tem exaurido todos os recursos que poderiam garantir o futuro da sua própria descendência.

Para uma cultura cujo lema é que os "melhores" vencem, faltou definir melhores. Estão aí os arautos do sucesso, como Lemann, Telles e Sicupira a servir de farol para um bando de executivos que não temem deixar como saldo de seu "trabalho" um rastro de destruição. Filantropos que tiram com as duas mãos aquilo que oferecem candidamente com a unha do dedo mindinho.

Não foi a má contabilidade que causou a derrocada da rede Lojas Americanas, assim como não foi a chuva que sufocou dezenas de inocentes e arrasou o litoral. Em ambas é o mito do homem de sucesso que está por trás das mortes e do colapso. Os homens considerados vencedores têm sido os cidadãos mais violentos e inescrupulosos da nossa sociedade.

Só se consegue fazer frente a seus efeitos devastadores com mobilizações hercúleas dos que costumam ser considerados os "perdedores". A depredação imobiliária que vem se abatendo sobre o litoral brasileiro, com os efeitos trágicos que vimos mais uma vez na semana passada, promoveu uma força-tarefa capitaneada por caiçaras. A palavra caiçara significa: cerca em torno da aldeia, pescador, mas também, assustadoramente, malandro e vagabundo.

Eudes Assis é um caiçara. Como já se falou aqui neste jornal, ele é chef de sucesso e coordenador de um projeto social lindíssimo em Camburi. O cara progrediu, fala outras línguas, viajou pelo mundo, ganhou dinheiro e é celebrado. Ele é a prova de que existem outros tipos de sucesso, aqueles nos quais a pessoa entrou no elevador do prédio certo e não se contentou em subir sozinho. Cada uma das pessoas que está hoje na destruída São Sebastião cozinhando, servindo e abrigando se revela uma pessoa de sucesso na empreitada humana.

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Chef Eudes Assis, de São Sebastião, lidera corrente de solidariedade em apoio às vítimas da tragédia no litoral norte - Ricardo D'Angelo/Divulgação

Ainda assim é importante que tenhamos alguns expoentes que se destaquem para servirem de farol para os jovens se espelharem e imaginarem um outro lugar de reconhecimento social, aspirando outro tipo de sucesso.

O ano começou e a primeira providência é pensar. Quem são nossos modelos e para onde eles nos guiam?

Deixo ainda uma dica pra quem quer voltar a se sentir vivo: ver ou rever "Eu de Você" com Denise Fraga, que retorna ao teatro até meados de março.

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