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Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP e doutor em filosofia; Leandro Narloch é jornalista, autor de “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” e mestre em filosofia pela Universidade de Londres

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Os cidadãos deveriam ter o direito de se armar?

Colunistas Pablo Ortellado e Leandro Narloch debatem

SIM

Leandro Narloch

Costumo ficar perdido entre estatísticas divergentes sobre os efeitos do porte de armas. Há uma abundância de estudos mostrando que, sim, o maior acesso às armas aumenta as mortes acidentais ou causadas por impulso e motivo fútil. Mas há pontos fora da curva que não são desprezíveis. Os estados brasileiros mais violentos (AL, SE e RN) têm menos armas por habitantes que os menos violentos. Honduras, o país mais violento do mundo, tem muito menos armas que a Suíça. 

No meio desses números, desconfio que a redução da violência está mais ligada ao império da lei, ao fortalecimento do mercado e das instituições, e não tanto ao acesso ou à proibição de armas. Mas digamos que os brasileiros cheguem a um consenso de que a liberação do porte aumenta a violência. Temos aí um argumento suficiente para proibi-lo? Talvez não.


É muito fácil resolver problemas sociais eliminando direitos e a liberdade dos cidadãos. Por exemplo, para erradicar a Aids, bastaria proibir o sexo sem camisinha, submeter os brasileiros a um exame compulsório, realizar castração química dos portadores de HIV ou transferi-los para uma quarentena. Se achamos isso um absurdo, é porque valorizamos a liberdade mais do que a estatística. 

Em alguma medida isso vale para o direito de usar armas, pois ele pode significar a vida ou a integridade do indivíduo. Com a proibição, pessoas que usariam armas de forma responsável são impedidas, em nome da estatística, de se defender. É mais do que justo que elas não queiram socializar essa questão. Além disso, tem um toque de piada de mau gosto, num país onde traficantes à luz do dia expulsam moradores de suas casas, e onde a polícia com frequência falha ou se alia a bandidos, querer que as pessoas aceitem a proibição de se protegerem. 

“Defendo um mundo em que lésbicas possam usar armas para defender suas plantações de maconha”, diz um político canadense. A frase já é batida, mas capta a essência do pensamento. O direito de se defender, ainda que desprezado pela esquerda, é parte dos direitos humanos tão relevante quanto a livre escolha sexual ou a possibilidade de se entorpecer. É preciso uma boa dose de cuidado e relutância ao restringi-lo. 
 

NÃO

Pablo Ortellado

O consenso entre os pesquisadores é que a liberação do porte de armas pela população geralmente não reduz o crime e faz aumentar o número de homicídios

Há muitos anos os estudos sobre violência e segurança pública mostram uma relação entre a liberação do porte de armas e o aumento dos homicídios por arma de fogo. Em geral, os cidadãos armados não conseguem se defender adequadamente da ação de criminosos e ainda se envolvem em brigas que terminam em homicídios e em acidentes com vítimas fatais. 

Nos estudos cientificamente validados, a evidência empírica sobre essa relação é grande e a evidência contrária é pequena e inconclusiva.

Apesar disso, setores conservadores seguem defendendo de maneira inflamada a bandeira da liberação do porte de armas. 

Alguns se apoiam em estudos que estão defasados, mas a maior parte das defesas que vemos no debate utiliza argumentos morais e se baseia em concepções vingativas de justiça. 

O argumento mais frequente é o de que seria preciso armar a população para criar um equilíbrio, já que hoje apenas os bandidos estariam armados e as vítimas não teriam capacidade de reação. 

Para os defensores da medida, a posse de armas não permitiria apenas uma defesa contra criminosos, mas propiciaria também uma punição dura, capital para quem se atrevesse a colocar em risco a família e a propriedade dos cidadãos de bem. 

Justamente porque, para muitos dos seus proponentes, a posse de armas não é um debate racional sobre segurança pública, mas um debate passional sobre o direito individual de reagir e de matar, debater o tema às vezes é um exercício estéril. 

Mesmo quando é apresentado na forma mais argumentativa do “é preciso dissuadir o criminoso, aumentando os riscos da ação”, quem enuncia o raciocínio mal esconde o gozo perverso de poder apertar o gatilho num ato de vingança.
 

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