Versus

Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP e doutor em filosofia; Leandro Narloch é jornalista, autor de “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” e mestre em filosofia pela Universidade de Londres

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Versus
Descrição de chapéu Eleições 2018

É legítimo pagar influenciadores para apoiar candidatos?

Colunistas Pablo Ortellado e Leandro Narloch debatem

Pablo Ortellado

Nesta semana, alguns influenciadores denunciaram que teriam sido contatados por uma agência para receber dinheiro para fazer postagens nas redes sociais apoiando candidatos do PT.

Segundo a denúncia, os influenciadores foram abordados pela agência para se engajar, por dois meses, em campanhas "progressistas", recebendo valores de até R$ 2.000 para publicar conteúdos sugeridos.

O convite não deixava claro que a ação tinha o objetivo de promover candidatos, embora o período de dois meses coincidisse exatamente com a campanha eleitoral, e o aplicativo por meio do qual se sugeriam as publicações se chamasse "Brasil Feliz de Novo", mesmo lema da campanha do PT à presidência.

Para além da questão jurídica sobre a legalidade da prática, a iniciativa tem efeitos muito nocivos sobre o debate público que ocorre nas mídias sociais.

O fato de contas e perfis com algum destaque terem aceitado receber dinheiro em troca do apoio a causas, mesmo que a princípio não se tratassem de campanhas eleitorais, projeta uma sombra de suspeição sobre a autenticidade de todo debate político nos meios digitais.

Os influenciadores que reconheceram que se dispuseram a receber dinheiro para fazer postagens alegam que a proposta inicial era apenas a de remunerar uma atividade que já fariam de qualquer maneira.

Mas como se vê nas postagens que foram identificadas como tendo sido incitadas pela agência, eles não estavam fazendo o debate livremente, mas reproduzindo os pontos e os principais argumentos sugeridos pelos briefings que eram enviados por quem coordenava a ação.

Além de empobrecer e corromper a esfera pública, a iniciativa ainda reforçou o estigma que a direita impõe à esquerda de que nunca age livremente e que só se move por benefícios espúrios, seja um pão com mortadela ou um apoio da Lei Rouanet.

A acusação da direita é geralmente alucinada e descabida, mas, às vezes, parece que alguns ativistas de esquerda estão empenhados em torná-la verossímil.

Leandro Narloch

Legítimo? É uma tremenda picaretagem pagar ou receber por uma opinião favorável a um candidato. Não há nada mais rasteiro no jornalismo que matéria paga e publicidade camuflada de notícia ou opinião. É coisa de intelectual bolivariano, de blogueirinhas de moda e de jornalista jabazeiro, aquele que se vende por brindes ou viagens.

O Manual de Redação da Folha deixa isso claro. Proíbe seus jornalistas de "aceitar valores ou favores pessoais para publicar ou omitir uma notícia". Também os obriga a alegar impedimento em casos de conflito de interesse. O repórter deve avisar os chefes se, por exemplo, é da família de envolvidos na reportagem e até mesmo se tiver ações da empresa tema de uma notícia. Não é paranoia da Folha impor essas regras --e sim preocupação com um mínimo de seriedade intelectual (não só jornalística).

Vamos supor que a propaganda disfarçada de opinião não fosse proibida pelo TSE (nem acho que deveria ser). Ainda assim, o episódio do mensalinho do Twitter seria motivo de constrangimento para os envolvidos, pois é óbvio que a atitude não foi transparente.

Há nuances nessa conduta. Anos atrás, antipetistas acusaram o blogueiro Leonardo Sakamoto de ganhar dinheiro do governo Dilma para defendê-la na internet. Me pareceu injusto: quero acreditar que Sakamoto daria opinião favorável a Dilma mesmo se sua ONG não tivesse contratos com o governo.

Da mesma forma, não dá para desprezar os argumentos de cientistas que de vez em quando lucram com palestras ao agronegócio. Nem todos eles dão opinião sob encomenda: apenas são contratados para divulgar uma opinião que já possuíam. Mesmo nesses casos, no entanto, uma declaração de conflito de interesses cai muito bem.

É possível extrair uma boa notícia do escândalo dos influenciadores digitais a serviço do PT. A farsa surgiu no Twitter e foi revelada no próprio Twitter. Não foram as autoridades que a denunciaram, e sim os próprios leitores. Esta é a beleza de um mundo livre: o indivíduo tem direito de falar e se vender como quiser, mas os outros têm toda a liberdade de ridicularizá-lo.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.