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Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP e doutor em filosofia; Leandro Narloch é jornalista, autor de “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” e mestre em filosofia pela Universidade de Londres

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Descrição de chapéu Eleições 2018

O Exército deve ter um papel de garantidor da democracia?

Colunistas Pablo Ortellado e Leandro Narloch debatem

Quem decide que há risco a poderes?

Pablo Ortellado

A pergunta sobre se o Exército e as demais Forças Armadas deveriam atuar como garantidoras da democracia tem uma resposta teórica simples. As Forças Armadas seguramente devem garantir a democracia na hipótese de um golpe de Estado ou de uma invasão estrangeira.

O interesse da pergunta não se deve, porém, a essa especulação teórica, mas à conjuntura política atual. 

Em entrevista à GloboNews, no começo do mês de setembro, o general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) tentou explicar uma declaração feita em uma palestra no ano anterior. 

Durante a palestra, o general respondeu a uma pergunta sobre a possibilidade de uma “intervenção militar”, dizendo que “ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então todos nós teremos que impor isso”.

Na entrevista mais recente, Mourão esclareceu a declaração dizendo que, no seu entendimento, “as Forças Armadas têm a responsabilidade de garantir que o país se mantenha em funcionamento” e que os poderes consigam “cumprir sua finalidade”. 

Em tese, esse princípio estaria estabelecido no artigo 142 da Constituição que diz, entre outras coisas, que as Forças Armadas destinam-se “à garantia dos poderes constitucionais”. 

Na interpretação do general, caberia ao presidente da República, que “é o comandante em chefe das Forças Armadas”, decidir se “a anarquia toma conta do país”. Nesse caso, ele poderia decidir empregar as Forças Armadas, numa espécie de “autogolpe”.

Mourão ressaltou que discutia uma “situação hipotética” e que não acreditava que esta era a situação atual do Brasil. Mas a franqueza com que especulou sobre a hipótese e seu entendimento de que cabe ao presidente a interpretação sobre se chegamos numa situação de anarquia ou disfuncionalidade dos poderes assusta. 

A última coisa com que devemos contar é o bom senso e o compromisso democrático de uma eventual Presidência de Bolsonaro.

Exército ou abraço coletivo?

Leandro Narloch

Imagine a seguinte situação. Depois de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República, o Congresso afasta Michel Temer. Mas o presidente se recusa a deixar o cargo. Decide ignorar a decisão e, em pronunciamento no Palácio do Planalto, diz: “Daqui só saio a bala!”. Há pelo menos três alternativas de solução para essa crise:

1) Publicar muitas imagens no Instagram com a hashtag #TemerNão.

2) Organizar um abraço coletivo ao redor do Palácio do Planalto, na tentativa de amolecer o coração de Temer e convencê-lo a deixar o poder.

3) Acionar o Exército para garantir a ordem constitucional, depor o presidente e abrir espaço para o presidente da Câmara dos Deputados assumir o país.

A terceira opção parece um pouco mais efetiva que as demais. Também está dentro da lei: o artigo 142 da Constituição estabelece que cabe às Forças Armadas a garantia dos poderes constitucionais.
Mas a decisão do Exército não é autônoma. As Forças Armadas são subordinadas ao poder civil. Sua “atuação na garantia dos poderes constituídos ou na ordem”, como afirma uma nota recente do Ministério Público Federal, depende sempre da “decisão do presidente da República (...), do STF, Senado ou da Câmara dos Deputados”.

Será que é isso que o general Mourão, vice de Bolsonaro, quer dizer quando afirma que o Exército deve garantir a democracia? Em entrevista à Veja durante a greve dos caminhoneiros, Mourão disse ser contra a intervenção militar e que, “se tivesse que ocorrer, seria o país já sem rumo, sem condições de definir suas prioridades, a sociedade em embate constante, a violência campeando pelas ruas”.

Semanas antes, em abril, pegou mais pesado. “Se o STF não cumprir com sua responsabilidade, entraremos na rota do caos, e só as Forças Armadas podem impedir isso”, disse. Mesmo interpretando a declaração sem a malevolência com que a imprensa geralmente trata o general, não dá para concordar. Ele falou, nessa ocasião, em ”impor uma decisão ao STF” caso a crise política se aprofunde. Desculpa, general, mas só o Congresso, e olhe lá, pode impor alguma coisa ao STF.

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