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Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP e doutor em filosofia; Leandro Narloch é jornalista, autor de “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” e mestre em filosofia pela Universidade de Londres

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Descrição de chapéu Eleições 2018

Presidente deve criar impostos sobre herança, lucros e dividendos?

Pablo Ortellado e Leandro Narloch debatem temas da eleição 2018

Sim, nossos tributos são injustos
Pablo Ortellado

O Brasil tem um sistema tributário muito injusto e regressivo e um Estado que, ao contrário do discurso corrente, não é tão grande se levarmos em conta a missão social estabelecida pela Constituição de 1988.
Há um grande consenso entre os especialistas de que o problema do sistema tributário brasileiro, para além da sua desorganização, é que ele é regressivo. Nossos impostos incidem menos sobre os ricos e mais sobre os pobres. 

Como cobramos muitos impostos sobre o consumo e como os mais pobres comprometem uma parcela maior da renda com esse tipo de gasto, eles terminam sendo muito mais onerados. Além disso, nossos impostos com potencial de arrecadação progressiva, ou seja, que podem tributar mais os mais ricos, como o Imposto de Renda e o imposto sobre a herança, são baixos ou têm problemas. 

O principal problema do nosso Imposto de Renda é que não taxamos dividendos (distribuição do lucro aos sócios e acionistas), de maneira que um empregado que tenha renda baseada em salário paga proporcionalmente mais imposto do que um empresário que tenha renda baseada em dividendos. Entre os países da OCDE, organização que reúne os países mais ricos, apenas a Estônia não tributa lucros e dividendos. 

Nossos impostos também incidem muito pouco sobre a propriedade. Uma resolução do Senado de 1992 estabelece um teto de 8% para a cobrança de imposto sobre a herança, bem abaixo do padrão internacional (nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, o imposto sobre a herança chega a 40% e na Alemanha chega a 50%). Vários estados ainda cobram bem abaixo dessa alíquota máxima (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,  por exemplo, cobram no máximo 4%). 

É urgente corrigir essas distorções introduzindo a taxação sobre lucros e dividendos e ampliando a tributação sobre a herança de maneira a transferir aos mais ricos o ônus que hoje recai sobre os mais pobres. Vimos candidatos à esquerda e à direita defendendo essas propostas. Esperamos que uma vez eleitos, cumpram a promessa.

Não, seria mais gasolina para carro beberrão
Leandro Narloch

Quando alguém propõe aumento de impostos para solucionar os problemas do Estado brasileiro, eu me lembro do Fiat 147 que minha irmã comprou (por R$ 1.000) nos anos 90. Quando funcionava, a pequena geringonça bege não chegava a 70 km/h; o motor, sempre prestes a fundir, fazia 4 km por litro de gasolina. Demorou só um mês para minha irmã perceber que ali não havia futuro. Juntou dinheiro e trocou por um Voyage. 

Mas imagine se minha irmã teimasse em acreditar no potencial daquele Fiat e acreditasse que o problema, na verdade, era a falta de combustível. “Se ele tiver mais gasolina, tudo será resolvido, e quem sabe um dia este Fiat nos levará até a praia!”, diria ela em tom profético. 

Se minha irmã fosse tomada por essa alucinação, agiria como as pessoas para quem o problema do Brasil é a falta de impostos. O Estado é beberrão, vagaroso e frequentemente guiado por motoristas desastrados. Como muito se repete, consome 30%, 40% da riqueza do país; cobra impostos como a Dinamarca, mas oferece serviços da Índia. 

É evidente que a cobrança de impostos sobre lucros, dividendos ou sobre fortunas não é a solução. A proposta, defendida pela esquerda, é um populismo fiscal que asfixiaria ainda mais a criatividade e a iniciativa dos empreendedores. 

Primeiro, porque não só os investidores pagariam o pato: como qualquer taxa ou aumento de imposto, o valor seria repassado para o custo dos produtos e serviços das empresas. Além disso, o governo já cobra impostos sobre o lucro —no nível da empresa, antes de ser dividido para acionistas.  

Seria melhor cobrar impostos dos acionistas e não das empresas? Bem, talvez sim. No “Brasil que eu quero”, só pessoas físicas pagariam tributos. Empresas são vetores de realização de desejos: se existem (sem a ajuda do governo) é porque resolvem problemas e melhoram a vida dos cidadãos. Por isso deveriam ser isentas de qualquer encargo. 

​Desse ponto de vista, até seria correto taxar dividendos, desde que se eliminasse os impostos sobre o lucro das empresas. Mas sem esquecer que, como o Fiat 147 da minha irmã, a geringonça vai continuar decepcionando — independentemente da quantidade de combustível. 

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