Ouvir o outro lado é reconhecer a falibilidade do julgamento humano. É estar ciente de que as convicções incontestadas tendem a produzir massacres, quer simbólicos, quer corpóreos.
Ouvir o outro lado é prevenir-se de coonestar as execuções de Sócrates e de Jesus Cristo. É evitar fazer coro à humilhação de Alfred Dreyfus.
Ouvir o outro lado é dar atenção, com ouvidos de escutar, a quem se opõe ao melhor dos homens. É lembrar-se de que o imperador Marco Aurélio, talvez o maior sábio de seu tempo, também perseguiu cristãos.
Ouvir o outro lado é prestigiar a utilidade do contraditório para o progresso da civilização. Apenas expostas à crítica as melhores ideias sobressaem, lapidadas, e as piores restam como contraste sem o qual não se pode enxergar nem compreender.
Ouvir o outro lado é combater o tirano que subsiste dentro de nós. O impulso liberticida está pregado no fundo da alma tribal do ser humano. Insidioso e assintomático, requer abalo externo para se revelar.
Ouvir o outro lado é partilhar a sabedoria que vê na luta política um ritual cívico entre polos que se completam. A razão está no choque entre liberais e conservadores, progressistas e tradicionalistas, revolucionários e processualistas. Nunca está com uma parte isoladamente.
Ouvir o outro lado faz parte da ascese para tornar-se um indivíduo livre. É despojar-se dos laços de parentesco, ideologia, religião, autoridade, coleguismo e amizade em nome de uma compreensão mais equilibrada dos fatos.
Ouvir o outro lado é praticar a democracia. É afirmar, pelo respeito reverencial a quem é atropelado no movimento paquidérmico dos poderosos, que a hierarquia surge da contingência, e não de uma assimetria fundamental entre os cidadãos.
Ouvir o outro lado é buscar a verdade, que nunca será encontrada. Essa marcha de boa-fé rumo ao nada —esse ceticismo inseminado de esperança— define uma vida justa, como foi a de Otavio Frias Filho.
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