Vinicius Mota

Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.

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Tavares Bastos

Trechos do clássico "A Província" mostram vanguardismo do alagoano, morto em 1875 aos 36 anos

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Na coluna publicada nesta segunda (7), comentei brevemente a obra mais conhecida de Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875) —"A Província - Estudo sobre a Descentralização no Brasil"— a propósito de exemplificar a longa e rica tradição federalista no país.

O livro, de 1870, pode causar surpresa ao leitor contemporâneo pela radicalidade e pelo vanguardismo das ideias liberais desse intelectual e político nascido em Alagoas que se formou, como era comum para a elite da época, na faculdade de direito do largo de São Francisco, em São Paulo.

Como o que foi destacado na coluna é apenas uma pequeníssima amostra do conjunto de passagens notáveis da obra, elenco abaixo alguns desses excertos.

 

Imperador Dom Pedro 2º, pivô da centralização política criticada por Tavares Bastos
Imperador Dom Pedro 2º, pivô da centralização política criticada por Tavares Bastos - Reprodução/Museu Histórico Nacional

Limitar o poder é descentralizar o poder:

 

"Reduzir o poder ao seu legítimo papel, emancipar as nações da tutela dos governos, obra duradoura do século presente, é o que se chama descentralizar. A descentralização, que não é, pois, uma questão administrativa somente, parece o fundamento e a condição de êxito de quaisquer reformas políticas. É o sistema federal a base sólida de instituições democráticas."

"Descentralizai o governo; aproximai a forma provincial da forma federativa; a si próprias entregai as províncias; confiai à nação o que é seu; reanimai o enfermo que a centralização fizera cadáver; distribuí a vida por toda a parte: só então a liberdade será salva."

 

Em 1834, uma reforma constitucional havia dado autonomia às províncias, mas seu espírito foi sendo deturpado ao longo das décadas seguintes: 

"Não será tempo de rever as leis e os decretos parasitas que amputaram a reforma de 1834, renovando a centralização contra a qual se insurgiram as províncias?

Será justo que nenhum quilômetro de caminho de ferro se possa construir na mais remota parte do Império, sem que o autorize, sem que o embarace, o demore ou o condene o governo da capital?

Será razoável que o Pará, há mais de 14 anos, solicite uma ponte para a alfândega; Pernambuco, desde 1835, a construção do seu porto; e o Rio Grande do Sul, desde a Independência, um abrigo na costa?"

 

Tentar impor molde institucional único a todas as regiões num país continental não dá certo:

"Examinai por que estragou-se a larga concepção da lei municipal de 1828: é que não se ajusta a condições variáveis de um país tão vasto e tão desigual uma organização teórica do governo local.

Examinai por que não vingou uma das mais nobres instituições de 1832, o juiz de paz, magistrado popular da primeira instância e tribunal supremo das mínimas lides: é que desde logo se reconheceu que o juiz eletivo [o juiz de paz era então eleito] supunha uma certa civilização no mesmo nível.

Não raros casos ou ocorrências locais mostraram ser prematuras, em algumas regiões do país. Do insucesso das leis verificado em alguns lugares concluiu-se contra a sua conveniência; não se contentaram de aboli-las aqui ou ali; aboliram-se em todo o Império."

 

Não basta libertar o escravo, é preciso incluí-lo pelo ensino:

"Ei-lo, portanto, assaz indicado o alvo dos nossos esforços: emancipemos e eduquemos. A despesa que com isso fizermos, civilizando infelizes compatriotas, é muito mais eficaz para o nosso progresso do que a difícil importação de alguns milhares de imigrantes.

Desde já, sem perda de tempo, multipliquem as províncias boas escolas e bons professores; paguem os senhores a taxa escolar por cada um de seus escravos."

 

A educação deveria recusar o segregacionismo racial:

"Fique sem demora abolido de nossos regulamentos o bárbaro princípio que expele o escravo das escolas, triste plágio de uma das vergonhas dos Estados Unidos antes da emancipação. Em suma, já felizmente coadjuvadas nisto pela tolerância e índole brasileiras, não permitam as províncias aulas separadas para os indivíduos de cada raça, mas reúnam-nos todos em estabelecimentos comuns, nacionais, sem distinção de origem ou cor.

Se formidáveis prejuízos ainda obrigam os norte-americanos a respeitar essa odiosa distinção, o Brasil, pelo contrário, respeita e pratica o princípio da igualdade absoluta das raças: e é por isso também que a solução do problema servil será aqui muito menos grave que em parte alguma do mundo."

 

A instrução é como um capital humano, que aumenta a capacidade de produzir:

"O que reservareis para suster as forças produtoras esmorecidas pela emancipação [dos escravos]? O ensino, esse agente invisível que, centuplicando a energia do braço humano, é a mais poderosa máquina de trabalho."

 

O Brasil, com frequência escolar pífia, está muito atrasado em relação a outros países:

"Nosso povo não entrou ainda na órbita do mundo civilizado. É o que atesta a frequências das escolas primárias. Essa frequência mal atinge a média de 1 aluno por 90 habitantes em todo o Império. Compara-se este sinistro algarismo com o de alguns dos Estados Unidos, onde a média é 1 por 7; nem se esqueça que, se na própria capital do Império há apenas 1 aluno por 42 habitantes, das 20 províncias há sete onde a proporção é 1 por 100, e há mesmo uma (o Piauí) onde excede ainda a 1 por 200."

 

Reduzir o atraso na educação primária exige da população sacrifício tributário, a taxa escolar:

"Carecem as províncias alargar os estreitos limites da sua parca receita; carecem fundar a verdadeira instrução popular, abrindo escolas por toda a parte e confiando-as a mestres idôneos. Ora, isto exige o dispêndio de somas consideráveis, que não comportam os seus modestos orçamentos. Daí a necessidade da taxa escolar."

 

Para diminuir os impostos, o governo central precisa combater setores protegidos:

"Se o mais seguro meio de atingir a redução do imposto é o de reduzir simultaneamente a despesa, haja um governo patriótico que se levante sobre as ruínas dos ministérios áulicos, e combata as grandes causas permanentes dos nossos embaraços financeiros —o funcionalismo exagerado pela centralização, o luxo administrativo, os subsídios estrangeiros, a onerosa política de intervenção e proteção."

 

Tolerância, reformas e abertura são os meios para atrair imigrantes qualificados:

"Casamento civil para todos que não queiram ou não possam alcançar a solenidade do ato religioso, garantias da liberdade de consciência, eliminada a desigualdade política dos cultos, naturalização facilitada, reforma da lei de locação de serviços, redução dos preços das terras e sua concessão gratuita em certos casos, portos coloniais franqueados ao comércio direto, livre navegação costeira, abertura de grandes vias terrestres e fluviais, emancipação da escravatura e, em suma, leves impostos de consumo, pois os atuais exageram o custo de todas as comodidades da vida: eis, entre outras, as medidas de que muito depende o futuro da imigração para o Brasil.

Ajuntai aos graves inconvenientes, que elas removeriam, a influência geral das nossas instituições e o peso da centralização que nos esmaga: deve acaso maravilhar-nos a preferência que os imigrantes dão aos Estados Unidos, ao Canadá, à República Argentina e à Austrália?"

 

Para combater a concentração de terras e o entrave ao desenvolvimento que significa, um imposto sobre as grandes propriedades rurais:

"Acelerar a divisão das terras, combater a tendência para desmedidas propriedades incultas, é remover o mais formidável obstáculo ao estabelecimento de imigrantes espontâneos nos distritos próximos dos atuais mercados. Por outro lado, é acaso justo que proprietários beneficiados pelas vias de comunicação, construídas e mantidas à custa de todos os contribuintes, deixem de concorrer para novos melhoramentos materiais? Eis o duplo fim do imposto territorial que há muitos anos se tenta criar."

"É do maior interesse nacional a generalização da pequena propriedade, tanto como a rápida conversão do simples trabalhador em proprietário, seja cada um isoladamente, seja por contrato de parceria ou outra forma cooperativa."

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