Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu juros

Brasil e Argentina na Copa da derrota

Reformas fraquejam nas duas economias mais fracassadas da década na América Latina

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A Argentina voltou às manchetes com um de seus produtos típicos, o risco de crise externa, tão clichê quanto seus bifes, doces de leite e alfajores.

Não parece que os vizinhos vão quebrar, mas o sucesso do governo de reformas liberais de Mauricio Macri subiu no telhado, de onde pode mergulhar numa tina de vinagre. O reformismo brasileiro corre o mesmo risco.

Seja com saídas pela direita ou pela esquerda, Brasil e Argentina são as economias mais fracassadas da América Latina da década. Não entram nessa comparação os pequenos países da América Central. A Venezuela não conta porque ora não existe.

Desde 2010, o Brasil cresceu 3,2%. A Argentina, 8,1%. Chile, Colômbia, Equador, México e Uruguai cresceram entre 22% e 30%. Bolívia, Paraguai e Peru, entre 35% e 41%.

Não adianta dizer que a comparação é injusta para o Brasil, por levar em conta justamente os anos de crise. Ficamos na rabeira distante em quase qualquer período considerado, desde 1990. A exceção foram os anos prateados de Lula, 2004-2010, quando este país ficou apenas na média latino-americana.

Além de crises recorrentes, Brasil e Argentina não têm lá muito em comum. É verdade que os dois países foram arruinados por governos de esquerda a partir de 2010 e quebraram entre 2014 e 2015, quando houve uma reação liberal. Mas, mesmo que se limite a observação apenas a problemas macroeconômicos, as aparências de semelhança enganam.

Os governos nacionais têm déficits feios, em torno de 2% do PIB no Brasil e de horrendos 3,9% do PIB na Argentina (em 2017), embora paguemos juros maiores pela nossa dívida, também bem maior.

O presidente Michel Temer, acompanhado de Mauricio Macri, presidente da Argentina, em um aperto de mão
O presidente Michel Temer, acompanhado de Mauricio Macri, presidente da Argentina, durante cúpula do Mercosul e Estados associados - Mateus Bonomi/Folhapress

O problema dos vizinhos é que o governo pega dinheiro emprestado no exterior a fim de financiar o rombo. Desde que Macri assumiu a Presidência, quase 70% do déficit foi coberto por meio de endividamento externo (sob os Kirchner, o país estava fora do mercado mundial, na prática).

As reservas internacionais são pequenas e minguantes. O déficit externo anda em 4,8% do PIB, o maior em 20 anos (é de 0,5% do PIB no Brasil). Isto é, as transações de bens e serviços com o exterior estão em alerta vermelho crítico.

Para terminar este resumo breve, a inflação na Argentina está em 25% ao ano, embora tenha sido de 40% em 2016, em parte resultado de reajustes de preços de serviços públicos, tabelados e subsidiados pelos Kirchner, o que ajudou a estourar o déficit público.

O diagnóstico sumário é que a Argentina consome muito mais do que pode e se endivida no exterior a fim de pagar a conta.

Enquanto houvesse dinheiro sobrando no mundo, a custo baixo, seria possível fazer um ajuste gradual e evitar tumulto político em um país muito mais inflamável do que o Brasil. Era o plano Macri, que de resto faz ou negocia reformas muito mais suaves que as brasileiras, da Previdência ao trabalho.

O problema é que há risco de que o crédito mundial comece a minguar. Quem tem mais dívida, déficits e poucas reservas padece primeiro.

A fim de estancar a sangria e evitar disparada do dólar, a Argentina elevou brutalmente suas taxas de juros e prometeu déficit público menor. Caso esse arrocho simultâneo, juro e gasto, persista por muito tempo, o crescimento também vai minguar.

Assim, o controle das contas públicas dependerá de arrocho mais profundo, com risco de crise política, ou não ocorrerá, com risco de crise externa aberta.

Não é tempestade ainda, mas o tempo fechou.

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