Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

A meta do Brasil é ficar de pé

Governo Temer muda meta de inflação de 2021, o que não pega bem, mas não é o problema maior

Não foi lá de bom gosto político mudar a meta da inflação de 2021. O governo de Michel Temer é detestado. Não foi eleito e evitou a deposição devido a gambiarras jurídicas que causam escárnio, tanto que o presidente se tornou escada até para memes do Neymar: "Se querem alguém que não caia, coloquem o Temer no meu lugar".

Neymar cai após falta em jogo do Brasil contra a Sérvia - Cao Can/Xinhua

Em 2017, o governo havia alterado a norma de escolha da meta para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Nesta semana, o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e o ministro do Planejamento decidiram fixá-la até a metade do mandato do próximo presidente, em baixa.

Dito isto, estaremos muito bem de vida se, em meados de 2019 ou em 2020, pudermos nos dar ao luxo de discutir se o IPCA será de 3,75%, a meta de 2021, em vez de 4%.

Não é esse o nosso problema, até porque o limite de tolerância da meta ainda é largo, de 2,25% a 5,25%. Um Banco Central razoável pode acomodar inflaçãozinha extra.

O país está para quebrar, seja no que diz respeito às contas do governo ou à política (isto é, o conflito sobre quem paga a conta). Essa crise vai ficar explícita entre 2019 e 2020. Basicamente terá de ser enfrentada com um mix de amputação de gastos e aumento de impostos ou haverá algum tumulto financeiro e/ou outros desdobramentos incertos, mas ruins.

Nossos problemas são o risco de estagnação ainda mais longa ou inflação descontrolada pela desordem das contas públicas, não os 25 centésimos de IPCA. Essa é uma preocupação de Maria Antonieta da caricatura, que reclama da porcelana do serviço de chá enquanto o povo com tochas na mão derruba as portas do palácio.

Em caso de arrumação das contas públicas e, quem sabe, outras reformas, há quem argumente que a meta mais baixa pode até facilitar a tarefa de baixar juros e inflação de modo duradouro. Seria uma revolução, no Brasil.

É possível argumentar, por outro lado, que a inflação brasileira é dura de matar. Mesmo neste país que namora a depressão e teve um grande choque de preços positivo (comida mais barata), a inflação ficou perto de 3%.

Alguns economistas-padrão (ditos ortodoxos) criticam a meta de inflação mais baixa porque o Brasil vive um momento de surto de seu problema fiscal crônico. Com déficits persistentes e dívida crescendo sem limite, a inflação não permanecerá baixa.

Os gastos são sistematicamente altos, dadas as leis; grupos de interesse têm capaci- dade resistente de impedir cortes ou de obter favores; o crescimento baixo derrubou a receita.

A conjuntura crítica é agravada pela mudança na política monetária americana e por outras instabilidades financeiras mundiais, que contribuem para a desvalorização rápida do real, um outro possível fator de inflação.

Mas 0,25 ponto percentual vai pesar?

Outros dizem ainda que a inflação um pouco mais al- ta por algum tempo pode ser instrumento de redução de gastos reais do governo. Por exemplo, se os funcionários públicos deixam de receber até reajuste pela inflação, a despesa real com servi- dores cai na mesma medida da inflação.

É uma ideia. No entanto, o efeito corrosivo dos preços sobre os salários congelados diminui muito pouco se a inflação passa de 4,5% para 3,75%. Mais difícil é limitar os reajustes ou, mais ainda, fazer a reforma das carreiras de Estados.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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