Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Venezuela

Medo e desejo de ser Venezuela

'Venezuela' como metáfora é sintoma da degradação do embate político e ideológico

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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, dança durante comício na campanha eleitoral de maio
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, dança durante comício na campanha eleitoral de maio - Carlos Garcia Rawlins - 15.mai.18/Reuters

A Venezuela entrou de vez no vocabulário do conflito social e político brasileiro.

Ainda é mais frequente que se recorra ao nome do desgraçado país vizinho como apenas outro insulto do glossário do ódio: "fascista", "bandeira vermelha", "petralha", "chavista" etc. Nas duas últimas semanas, pelo menos, a menção a "Venezuela" ganhou novos sentidos, sintoma da nossa degradação.

Durante o caminhonaço, empresários e executivos mencionavam o "risco", o "medo" ou o "surto" de "venezuelização do Brasil". Pibopesquisa Ibope encomendada pelo governo mostrou que 59% dos brasileiros acreditavam que era possível "acontecer no Brasil o que aconteceu na Venezuela" caso persistisse o paradão caminhoneiro.

O resultado da pesquisa parece apenas uma comparação óbvia e trivial, restrita à hipótese de que a interrupção do transporte causaria escassez crítica de bens, a imagem mais midiática do colapso liderado por Nicolás Maduro. Ainda assim, é uma imagem que vai pela cabeça dos brasileiros, que poderiam por um motivo ou outro negar a semelhança entre os países.

"Risco de venezuelização" era também um ataque a políticas ditas de esquerda, mais restrito aos embates de facções mais militantes e ideológicas da opinião pública. Mais recente é seu uso como metáfora em conflitos mais cotidianos.

"A Venezuela começou assim", disse nesta terça-feira (5) Leonardo Gadotti, presidente da Plural, associação de distribuidores de combustíveis. Criticava o tabelamento do diesel, um dos termos da rendição incondicional de Michel Temer ao caminhonaço.

A crítica de Gadotti é apenas um conflito derivado da aceitação das exigências do paradão caminhoneiro, que emergem mesmo dentro da coalizão que apoiou, sem mais, o caminhonaço.

Associações de produtores de soja, que deram corda à paralisação, agora criticam o tabelamento do preço do frete. Governadores estão fulos com a perda de receita de impostos. Persiste a fúria extensa contra a Petrobras que "lucra para servir ao mercado".

Falta pão, e ninguém tem razão. Não há liderança, movimento político ou social que proponha e tente conduzir soluções organizadas (governo, partidos, sociedade civil, "empresariado") tanto para crises tópicas como para o grande conflito pelos recursos do Estado falido.

Ao contrário. Há uma espécie de corrida para o saque final. No governo Temer, houve caminhões de perdões de dívida e outros favores para setores empresariais e aumentos de servidores, para ficar em exemplos notórios.

É um ambiente propício à disputa de extremos mais autoritários e irracionais, que vem de 2010, explodiu em 2013 e em 2014 e piora. Extremistas de esquerda e direita viram no paradão e no levante do diesel a possibilidade de uma revolta ampla, pelo menos um "ensaio geral" de ataque ao poder.

Outros, apenas um pouco menos dementes, pensaram com oportunismo mesquinho e irresponsável que poderiam faturar politicamente o apoio popular tácito ao paradão caminhoneiro, espantoso, dado o risco de colapso econômico.

São atitudes políticas que contribuíram para o desastre que agora se chama de "venezuelização". Impulsos de extermínio dos adversários, disposição para o combate sem trégua, demandas irreconciliáveis. Para piorar, temos sintomas piorados de "brasileirização", a ideia de que há um pote de ouro escondido ou tomado pelos "políticos" e "pelo governo". Se derrubarmos essa Bastilha, resolve-se o conflito sem dor.

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