Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Preços e pioras após caminhonaço

Gasolina ficou mais cara, juro subiu e governo gastará meio Bolsa Família com diesel

O país ficou mais apodrecido depois do caminhonaço, que acabou faz um mês. Depois que a gasolina reapareceu nos postos e o preço da batata ou do frango voltou ao normal, o efeito do tumulto parece ter se evaporado, no dia-a-dia. Mas nem isso aconteceu, a rigor. Para piorar, ficaram sequelas profundas e menos visíveis.

O preço do litro do diesel caiu nas bombas, entre a semana anterior à do paradão caminhoneiro e a semana passada. Baixou uns vinte centavos, cerca de 5,5%, na média nacional, segundo dados da pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo. Nas refinarias e nos importadores, está com desconto de R$ 0,46 por litro.

A gasolina ficou mais cara nas bombas, na média, quase 6%, no mesmo período, assim como o etanol (quase 5%) e o popular GLP, o gás de botijão (quase 3%). Não houve subsídio ou redução de imposto para esses combustíveis, como se recorda.

A conta da redução da Cide, do PIS/Cofins e do subsídio para o diesel pode chegar a R$ 13,6 bilhões, segundo cálculos do governo. Um pouco mais de R$ 2 bilhões por mês, até o final do ano.

Quanto vale o show de demagogia e incompetência do governo de Michel Temer? Quanto custou a chantagem da turma do transporte de carga e das associações empresariais que deram a maior força para esse fracasso?

A despesa do Bolsa Família é de R$ 2,5 bilhões por mês. É também o dinheiro do governo federal gasta em obras, no subnutrido PAC (média mensal dos últimos 12 meses). O ministério da Saúde tem gasto em média, por mês, R$ 8,4 bilhões.

Ou seja, a transferência de renda para quem usa diesel ou tem custos derivados do diesel equivale a 80% da despesa média mensal com 14 milhões de famílias mais pobres do país ou a 80% do investimento para evitar que a infraestrutura nacional fique ainda mais arruinada.

Ou a quase um quarto da despesa do ministério da Saúde. Não se sabe onde vai parar todo esse subsídio. Certamente não ficará todo com o caminhoneiro mais comum. Se ficar.

Pouca gente parece se importar. Compreensível, em um país em que 75% das pessoas atribuem o déficit da Previdência à corrupção (segundo pesquisa Ipsos).

Há custos ainda mais esotéricos, mas que vão lascar o povo miúdo também. A intervenção no preço do diesel ajudou a derrubar a Petrobras e distorce o mercado de combustíveis, entre outros.

A desordem do caminhonaço e a boa vontade geral e suicida com o protesto contribuíram para aumentar a tensão política e, pois, para a alta das taxas de juros no mercado.

Havia esperança ainda de um crescimento da economia de 2,5% neste ano, medíocre, mas algum. As estimativas agora tendem a se resignar com 1,5%. Há risco de repetirmos a quase estagnação do PIB de 2017.

Claro que o caminhonaço não atropelou todo o resto de esperança de recuperação econômica, mas quebrou uma perna das expectativas de um ano melhor e da esperança de que o país possa debater seus problemas de modo razoável e competente.

Além da aprovação popular, o paradão contou com o apoio ou a omissão de quase todas as lideranças políticas relevantes.

Por fim, temos um encontro marcado com mais problemas, pois o subsídio, com o qual se gasta R$ 1,41 bilhão por mês (daria R$ 17 bilhões em um ano), termina em 31 de dezembro.

O novo governo vai bancar essa despesa que poderia elevar o gasto com o Bolsa Família em 50%? Ou vai ter briga no Ano Novo?

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