Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Anistia para o estrago caminhoneiro

Tabelamento de fretes bagunça o campo, indústria protesta, Câmara anistia infrações

Os tantos políticos, da direita à esquerda, e empresários que deram corda para o caminhonaço têm algo a dizer sobre o estrago que ajudaram a promover? Pois o desastre continua.

Há desordem no transporte de insumos e produtos agropecuários (parabéns aos produtores de grãos que apoiaram a mazorca). O tabelamento do frete, além de contribuir para a bagunça e a irracionalidade econômicas, já causa prejuízo e vai parar na Justiça.

Nenhum político assumiria o erro, claro, nem ao menos vai arriscar uns milhares de votos em uma crítica da conta que o país parece não perceber que paga. Ao contrário. Premiam os responsáveis pelo tumulto.

Nesta quarta-feira (11), os deputados fizeram mais do que chancelar a incompetência de Michel Temer, aprovando a medida provisória que tabela o frete.

A Câmara ainda anistiou crimes e infrações cometidos durante o paradão caminhoneiro, de multas por bloqueios de estrada a locautes, greve de empresários. A cortesia veio de uma emenda do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP).

"Muitos manifestantes agiram pacificamente e de forma ordeira, e outros tantos tiveram seus veículos bloqueados, mesmo contra sua vontade. Por essa razão, não se pode punir ainda mais a tão sofrida classe dos caminhoneiros, com pesadas multas previstas na legislação ou decorrentes de determinações judiciais", argumentou o nobre deputado ao justificar a sua emenda.

A medida provisória do tabelamento ainda precisa ser aprovada pelo Senado, mas faz semanas eleva preços ou causa incerteza sobre os custos de transporte; o fechamento de negócios atrasa ou se arrasta. Preços de insumos e cotações de produtos foram afetados. Grãos estão parados nos silos. Há atrasos na entrega de rações e fertilizantes, por exemplo, e rumores de atraso no plantio da safra.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) diz que o prejuízo pode chegar a dezenas de bilhões de reais. Claro, a alta de custos vai chegar aos preços do varejo.

A indústria de São Paulo, representada pela Fiesp, diz também que terá custos adicionais, de acordo com pesquisa divulgada nesta quarta-feira, uma consulta com cerca de 400 empresas. Mais da metade delas pretende repassar o aumento do frete para o preço de seus produtos. Na opinião de um quarto das firmas, o reajuste que deve provocar queda nas vendas.

É preciso relembrar sempre o tamanho dos vários estragos causados pelo caminhonaço na administração das contas federais.

A redução da Cide e do PIS/Cofins e o subsídio para o diesel devem custar até R$ 13,6 bilhões neste ano, segundo cálculos da equipe econômica de Temer.

O governo terá de cortar gastos para acomodar o favor, que apenas em parte chegará ao caminhoneiro miúdo. O subsídio se perderá pela cadeia de produção que depende do diesel e pelo comércio do combustível.

Como já se escreveu nestas colunas, os subsídios equivalem a 80% do que se vai gastar com o Bolsa Família ou com obras do governo federal (do PAC) no período em que vai valer o dito benefício, até o fim do ano.

O caminhonaço ainda serviu para degradar ainda mais o clima político no país, contribuiu para alta de juros no mercado, apagou quase dois meses de produção, causou um choque de confiança e, enfim, derrubou a já magra expectativa de crescimento do país.

Sem se dar conta, o país segue no caminho da autodestruição.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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