Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O barqueiro, o taxista, Lula e eleição

Conversas no Brasil profundo mostram eleitor mais sabido e curioso do que supõem campanhas

O barqueiro que nos leva pelo rio Caraíva acima conta com orgulho o progresso da sua família e de seu vilarejo, à beira de praias lindas e quase desertas, no sul da Bahia.

Para o barco ao lado de improváveis nenúfares, aquelas vitórias-regiazinhas de pinturas de Monet. Fala de microcrédito, da área de preservação ambiental, da reserva extrativista, de eletricidade, de negros e índios na universidade. Fala bem de Lula, algo menos do PT.

O barqueiro não é um tipo “Bolsa Família”, o estereótipo do lulista nordestino. Nativo de Caraíva, 41 anos, descendente de negros e pataxós, tem dois barcos a motor, que financiou no microcrédito.

Foi o governo Lula que vitaminou os programas de microcrédito, incentivou cotas, fez o Luz para Todos. 

De 2003 a 2013, o rendimento aumentou 80% no Nordeste (ante 55% da média brasileira). Etc. Sabemos dos números, mas bem menos da mudança de mentalidade a respeito do que pode ser um governo, notável em Caraíva, no agreste de Pernambuco ou em um debate na violenta, pobre e niilista zona sul de São Paulo.

O barqueiro foi miserável. “Sabe o pobre? A gente estava para baixo do pobre. Comia peixe e fruta-pão, vivia meio nu. Quando o povo da roça vinha visitar, a gente fazia festa, cantava com eles. Minha irmã menor gritava ‘tem farinha!’. Mas não tinha dinheiro para a farinha. Quando dava, a gente trocava por peixe.” Lembrança dos anos 1980-1990.

Vila de Caraíva, no litoral sul baiano, em Porto Seguro, com pequenos barcos à beira do rio
Vila de Caraíva, no litoral sul baiano, em Porto Seguro - Ernesto Rodrigues/Folhapress

Basta falar um pouco com o povo da região, de Pernambuco à Bahia, para ouvir ideias elaboradas sobre melhorias havidas ou necessárias. Há curiosidade genuína quanto ao que os candidatos têm a dizer da vida comum (até agora, nada).

O taxista de Porto Seguro comenta problemas sociopolíticos de modo circunstanciado. Cita dados de reportagem sobre desigualdade de riqueza, outra sobre um cientista político que prevê nova polarização entre PT e PSDB. Espera votar em Fernando Haddad (PT).

Fala da filha, excelente aluna de escola técnica pública, que vai tentar medicina (o taxista mal começou o ensino médio; o barqueiro mal fez o ensino fundamental). Observa que negros passaram a ir para a faculdade nos anos do PT.  

Fala de um amigo que se endividou e vendeu a casinha para pagar o curso privado de medicina para o filho. O taxista está preocupado com as dívidas, o financiamento do carro e da casa, com o custo das tarifas bancárias.

Não foi por acaso o sucesso do plano de Ciro Gomes (PDT) de tirar o povo do SPC. No primeiro debate de candidatos a presidente, esta foi uma rara conversa sobre um assunto imenso e concreto: dívidas.

A dona de uma pousada caseirinha reclama da escola, “muito fraca, não dá para ninguém do povo chegar à faculdade melhor”. Vive em Corumbau, vizinha de Caraíva. Quer saber também de posto de saúde, impostos e creche. Não pensou em quem votar, mas pode ser em “qualquer um que fale certo e sem besteira das coisas que contam”.

Candidatos e os ditos formadores de opinião discutem estratégias e alianças políticas, se tempo de TV ou redes sociais vão definir o voto, uma ênfase hipertrofiada no meio em detrimento da mensagem.

Mas não dizem a que vieram, sejam a nordestinos com pendor lulista, ao terço que não sabe em quem votar ou aos que sabem, mas podem mudar de ideia, no Acre, em Minas ou no Paraná.

Até agora, é a campanha mais vazia, com exceção talvez daquela dos mentiraços de 2014.

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