Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

OFF

Otavio Frias Filho, OFF, como também o chamamos no jornal, e seu ceticismo

Otavio Frias Filho era conciso.

Por que dizer algo tão evidente na clareza metódica e enxuta dos seus textos? Tão manifesto no seu modo de falar característico, de sintaxe arrumada, na exposição sistemática de ideias, se tratasse de uma conversa intelectual, de uma entrevista ou de uma discussão rotineira de trabalho?

Porque o comedimento elucida aspectos de sua vida, dos mais comezinhos, expressão que ele gostava de usar, a seus modos e ideias, mesmo as políticas.

Marcelo Coelho conta hoje nesta Folha um tanto do que os amigos sabiam bem. De hábitos espartanos, Otavio tinha indiferença genuína por coisas, bens materiais, roupas, carros etc. Mais do que um desapreço quase calvinista por confortos, um desprendimento sem afetação.

Em termos de temperamento ou inclinação intelectual, Otavio era uma personagem cética, realista, pragmática, de um desencantamento que, um tanto paradoxalmente, aceitava com resignação cheia de pesar, quando não se impunha tal disciplina.

"As grandes ideias de nossa era estão mortas. As grandes mentiras também. O que vocês pretendem colocar no lugar delas? Por toda a parte, a perspectiva que se oferece é a de uma vida sem grandeza, sem aventura e sem paixão", dizia Otavio nos seus 34 anos para os formandos da turma de 1991 da Unicamp, de que foi patrono.

O país passava por tumultos e desesperanças quase tão grandes como estes de nossos dias. Mas, claro, não era de política ou crise que se tratava. Recém-contratado pela Folha, cobri a cerimônia para o jornal. O discurso ficou na memória desde então, se por mais não fosse porque pareceria tanto o Otavio que viria a conhecer nestes muitos anos.

Desconfiava de grandes teorias, em particular sobre os desdobramentos da história: um extremo comedimento quanto a generalizações e idealismos, "hegelianismos", dizia vez e outra. "Sou um empirista vulgar", dizia com um sorriso estreito e exagero de deboche autodepreciativo, "acorrentado pela minha formação na burguesia comercial".

Tinha impaciência particular com militâncias de qualquer espécie, políticas ou intelectuais, seus antolhos e ideias estereotipadas; por lideranças personalistas. Era avesso por temperamento e reflexão à ideia de partido, mas tinha um interesse muito vivo e profundo por política e história.

Para gente mais enfática, convicta e temperamental, por vezes parecia de um relativismo exasperante; para outros, apenas liberal por indiferença. Não era o caso.

Por estranho que possa parecer a gente imersa nos ódios destes tempos, de extremismo sem trégua, sem quartel, era um social-democrata, rótulo simplório que desgostaria de ver colado na sua imagem, ainda mais para alguém com desconfiança essencial de governos. Mas o adjetivo pode resumir neste texto tão sem ambição que Otavio queria ver progresso.

As melhorias entanto viriam de modo incremental, outra palavra de seu gosto. Não era bem uma convicção de reformista conservador, adepto em si da mudança a conta-gotas, mas observação de experiência histórica, dizia, algo assim.

Esse seu comedimento, enfim, vinha da crença de que a política ou as capacidades humanas precárias, abaladas por correntes socioeconômicas imensas e também pelo acaso, não poderiam resultar em muito mais do que avanço gradual, sistemático e persistente. Era um ceticismo desencantado, desbaste sistemático de crenças pela lixa rude dos fatos.

Ao menos era assim que parecia ou assim parecia se pensar.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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