Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Maré da nova direita desmonta esquema de 25 anos na Câmara

Partidos que conduziram acordos por um quarto de Século foram reduzidos à mediocridade

Como tudo mais na política, o Congresso sofreu um nó nas tripas. A cirurgia para desobstruir a Câmara não é trivial. A depender da atitude do próximo presidente da República, pode dar em encrenca.

MDB, PSDB e DEM, que por um quarto de século conduziram acordos parlamentares ou com o Executivo, foram reduzidos à mediocridade quase nanica, apenas um dos aspectos da grande mudança. Sem aprovação de muita reforma, não haverá governo viável. Maiorias folgadas, estáveis e fiéis são ainda mais relevantes, mas a complicação vai além.

Dilma Rousseff (PT) começou a cair, entre tantos motivos, ainda em 2014. Foi quando Eduardo Cunha, do MDB, criou o blocão, 214 deputados que azucrinavam o governo.

Em 2016, o blocão seria ampliado no centrão, bancada de mais de 280 parlamentares, a infantaria do impeachment.

Não é preciso ir tão longe, deposição de presidente, para lembrar da importância das composições no Parlamento.

Não raro, disputas pela Presidência da Câmara deixam sequelas, dentro do Congresso ou na relação com o Executivo.

Uma solução para o problema é a compra direta de votos; outra, a divisão de poder, cargos, o nome que se dê, partilha que não satisfez Cunha e aliados, motivo da revolta de 2014.

Os operadores maiores desse sistema foram diminuídos nesta eleição.

Em relação a 2014, a bancada do MDB encolheu 51%, para 34 deputados; a do PSDB, 46%, para 29. O DEM até cresceu, mas apenas limitando a sua insignificância, para também 29 cadeiras. Juntos, contam com 92 parlamentares.

O grupo teve em média cerca de 240 deputados, entre 1990 e 2006. Então começou a decadência, a fragmentação ainda maior do Congresso, incentivada também por outra intervenção inepta do Supremo, que tentou proibir o troca-troca partidário e enfim favoreceu a multiplicação de partidos negocistas.

O PSDB foi devastado pelas invasões do PSL e mesmo do Novo, em especial no centro-sul: perdeu 12 cadeiras, das 23 eleitas em 2014 no Sudeste.

Suas lideranças foram dizimadas, estão sendo encarceradas pela polícia e talvez vençam apenas o governo de São Paulo.

Geraldo Alckmin teve menos votos que os dados a candidatos a deputado de seu partido e 9% dos votos de sua coligação —Bolsonaro teve cerca de 25%, Fernando Haddad (PT), 37%, Ciro Gomes (PDT), 50%.

Os tucanos ficam cada vez mais parecidos com MDB, na derrota e na doença.

Um tanto mais espalhado, o MDB apanhou pelo país inteiro. Michel Temer? Corrupções? Pode ser, mas o enroladíssimo PP manteve quase intacta sua bancada, agora maior que as de MDB, DEM e PSDB.

Sem rosto, a gelatina do centrão, com muito sabor de mensalagem e petrolagem, manteve seu tamanho, cerca de 160 deputados, excluído o DEM. Mas essa turma jamais liderou, afora no episódio sintomático de Severino Cavalcanti (PP), por sete meses presidente da Câmara em 2005, sinal dos tempos que estavam por vir.

O PT perdeu menos cadeiras (19%) que os partidos do centro tradicional e elegeu a maior bancada, no entanto apenas 11% da Câmara. Está mais marginalizado, dado o ambiente político polar e direitista do país.

O PSL de Jair Bolsonaro, quase do mesmo tamanho do PT mas que deve engordar, é novidade ainda inescrutável, pois seu líder se apresenta como candidato antissistema e promete não fazer acordos se for eleito presidente.

A direita, ainda mais direitista, é majoritária, quase três quartos da Câmara, mas por ora está acéfala.
 

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