Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O dinheiro que não existia sumiu

Estados e até Bolsonaro podem ficar sem recursos de megaleilão de petróleo em 2019

O futuro governo de Jair Bolsonaro pretendia entregar a estados e municípios parte de um dinheiro que talvez arrecade no ano que vem. Esse repasse viria de uma venda de direitos de exploração do petróleo do pré-sal. Nos sonhos de governadores e prefeitos, seriam mais de R$ 20 bilhões.

Em troca, economistas de Bolsonaro queriam apoio de governadores à reforma da Previdência e até compromissos de controle de gastos (ilusões). Deu chabu. Esse dinheiro que ainda não existia evaporava na tarde desta quarta-feira (28).

Mesmo se voltar a chover na horta de estados e cidades, não viriam tantos bilhões do petróleo. De resto, essa ajuda encrenca o governo federal. Repasse extra para estados e municípios é despesa, sujeita ao teto de gastos. Se repassa o dinheiro, o governo tem de cortar mais em outra área (reduzir o investimento em obras a quase nada).

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Presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) durante entrevista coletiva na qual nomeou novos ministros de seu governo - Sérgio Lima/AFP

No Senado, dizia-se que o governo poderia arrecadar até R$ 130 bilhões com esse leilão especial de petróleo. Na equipe bolsonarista, a projeção chegava a R$ 100 bilhões. Na estimativa mais pessimista do governo de Michel Temer, a R$ 60 bilhões.

Além das estimativas disparatadas, há mais problema. Parte desse dinheiro seria usada para pagar um acerto de contas do governo com a Petrobras. Quanto? O pessoal do governo Temer não pode revelar o valor. Há chutes em torno de R$ 20 bilhões.

Pelo acordo entre Senado e o pessoal de Bolsonaro, estados e cidades ficariam com 20% do dinheiro desse leilão de petróleo. Na pior das hipóteses dos chutes listados acima, o repasse federal ficaria então perto de uns R$ 8 bilhões.

Há mais problema.

Em 2010, o governo Lula vendeu à Petrobras o direito de explorar até 5 bilhões de barris de petróleo em áreas do pré-sal (isso teve o nome horrendo de "cessão onerosa"). Como não se sabia de fato quanto petróleo haveria ali, entre outras indefinições, esse contrato seria revisto assim que houvesse informação melhor (para piorar, o contrato da "cessão" tinha buracos).

Deve haver pelo menos mais 6 bilhões de barris naquela área do pré-sal, sabe-se agora. O governo pode leiloar o direito de explorar esse petróleo ("excedentes da cessão onerosa"). É dessa venda que se trata aqui.

A Petrobras acha que tem dinheiro a receber nessa revisão de contrato (teria pago caro demais etc.). União e Petrobras não chegaram a um acordo; o pessoal de Temer teme ser legalmente frito se assinar um contrato que leve o governo a pagar o que a Petrobras quer.

Para haver segurança, as bases de um acordo foram enfiadas em um projeto de lei, o qual permitiria à Petrobras vender áreas que levou na "cessão onerosa" (isso faz parte do programa de abatimento de dívida da petroleira).

Esse projeto estava para ser votado no Senado, que quer uma contrapartida, com apoio do pessoal de Bolsonaro: Temer teria de baixar medida provisória dando parte do dinheiro desse leilão de "excedentes da cessão onerosa" a estados e municípios. Não rolou.

A equipe econômica de Temer se opõe ao repasse a estados e municípios, que criaria outro rombo nas contas federais (a não ser que se inventasse uma gambiarra para contornar leis fiscais).

O Senado pode, claro, mudar a lei, mas sua tramitação demoraria. Com o atraso, dadas as exigências do TCU (Tribunal de Contas da União), esse leilão gordo de petróleo pode até ficar para 2020; Bolsonaro ficaria sem dinheiro para tapar rombos em 2019, com estados e cidades ainda pedindo dinheiro.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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