Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O atraso bárbaro mata e custa caro

Preço do ferro da Vale não inclui o custo de produzir cadáveres e ruína ambiental

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Desde o morticínio de 5 de novembro de 2015, a Samarco produziu apenas prejuízos. De 2015 a 2017, foram cerca R$ 19 bilhões de perdas, em valores atualizados.

Não saiu o balanço de 2018, mas, se o prejuízo tiver ficado na média desses anos, o buraco total vai a uns R$ 25 bilhões.

Nestes dias ainda mais sombrios, em que tememos contar centenas de cadáveres em Brumadinho, parece uma desumanidade falar de dinheiros. Mas: 

1) esta é uma ou a única linguagem que muita gente entende;

2) o desastre econômico tem consequências humanas;

3) que os donos do dinheiro se arrisquem a tais perdas e possam digeri-las é um indicador da selvageria e do atraso aberrante do país;

4) a Vale e outras grandes irmãs não pagam o custo humano ou ambiental de suas atividades.


A Samarco é da anglo-australiana BHP e da Vale. Quando o vômito letal da sua represa de lixo matou 19 pessoas, acabou com a vida de muitas outras, destruiu uma comunidade e emporcalhou o 
rio Doce e o mar, a Vale declarou ao mundo o seguinte: 

“A Vale é apenas uma mera acionista da Samarco, sem nenhuma interferência operacional na administração dessa companhia, de modo direto ou indireto, próximo ou distante”.

Em 2014, a Samarco faturou R$ 7,6 bilhões, em valores daquele ano. O lucro foi de R$ 2,8 bilhões. A BHP e a mera acionista Vale ficaram com R$ 1,8 bilhão em dividendos. Não, não se trata de imprecação contra lucros, essa bobajada. São medidas do estrago.

Segundo a Samarco, a empresa faturava o equivalente a 1,5% do PIB de Minas Gerais e a 6,4% do PIB do Espírito Santo. Recolhia metade dos impostos de Mariana, um terço da receita de Ouro Preto. Empregos, comércio e tantos outros meios de vida na região foram devastados pelo desastre.

Qual o custo dessa desgraça para seus dirigentes? Afora reputação (talvez), nenhum, até agora. Qual o custo para os acionistas controladores da Vale, além do prejuízo? Degradações humanas e ambientais, além de riscos, estão embutidas no preço do ferro? Não. O ferro da Vale está barato. Não inclui o custo de produção de cadáveres e do aniquilamento ambiental.

Note: é uma ciranda da ruína. Mortes em massa. Prejuízo econômico extenso. Apropriação de recursos sociais por parte dos acionistas da empresa (produz e vende seu minério empurrando para terceiros o custo da desgraça humana e ambiental). 

Qual o efeito do morticínio de Mariana na conduta da Vale além de moderar sua conversa de “mera acionista”? O Ministério Público e a polícia talvez o digam, mas com certeza algo não mudou.

Como se escrevia nestas colunas desde sexta-feira (25), a Vale é uma empresa que coloca seus funcionários e comunidades inteiras no caminho dos seus vômitos mortíferos de lama.

Vamos enfim dar um jeito nisso? Ou daqui a três meses vamos nos esquecer das pessoas soterradas por 15 metros de lama? Ou o recorde de mortos vai fazer com que meras dúzias de mortes mal venham 
a chamar a atenção?

Talvez a conjunção do massacre dos inocentes da Vale com prejuízos coloque na retranca os bárbaros ambientais que vociferam no governo e em suas cercanias. 

Jair Bolsonaro nada tem a ver com o morticínio de Brumadinho, é preciso ressaltar. No entanto, na hipótese de se transformar no Átila dos hunos que pretendem barbarizar reservas de água e florestas ou as terras indígenas e de outros massacrados, vai ficar com a conta dos próximos desastres: de mortes aos prejuízos para a segurança econômica nacional.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do afirmado em versão anterior deste texto, a BHP Billiton é uma empresa anglo-australiana, e não anglo-holandesa.  
 

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