Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O presidente falante

Bolsonaro conta em público versão peculiar das discussões que ouve em seu governo

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A triste figura que fez Jair Bolsonaro em sua primeira sexta-feira dá o que pensar, mas não pelo motivo mais evidente.

Não é novidade o escasso conhecimento que o presidente tem de políticas públicas, de economia em particular. Não era inesperado que dissesse despropósitos sobre impostos ou Previdência. Ainda assim, parece importante perguntar como é possível Bolsonaro desconhecer planos centrais de seu governo.

A pergunta mais relevante, porém, pode ser outra: o que vai acontecer quando ele tomar conhecimento de tais assuntos?

A dica da resposta está nas primeiras reações de Bolsonaro aos planos de reforma da Previdência.

Quando confrontado com a dureza do problema, o presidente se entrega a uma atitude que fica entre o escapismo e a desconversa, ambos baseados em autoilusão desinformada.

É um comportamento comum e popular, em todos os sentidos da palavra. A reforma não pode “matar idoso”, afetar “direitos adquiridos” etc. Tudo bem. Mas um presidente tem de apresentar alternativas. Se a reforma será diluída, como compensar o desastre persistente nas contas públicas?

A resposta do presidente é o devaneio algo mítico. Bolsonaro junta uns fatos que não digeriu bem com atenuantes populistas e então fantasia que a idade mínima de aposentadoria será menor que a da reforma de Temer, de 62 anos para homens, 57 para mulheres.

Essa afirmação nem tem sentido, não vai para lá ou para cá, pois esses números podem significar tanto uma reforma ainda mais dura como mudança aguada (o que depende do tempo de transição até essas idades mínimas). A idade “menor” é vendida como atenuante da reforma. É tudo bobagem e confusão, porém.

Bolsonaro quer menos impostos sobre empresas. Para não fazer mais déficit e dívida, teria de compensar a perda de receita com aumento de impostos sobre pessoas físicas, em particular sobre o seu eleitorado. Como vai reagir quando tiver de lidar para valer com o cobertor curto?

Pode ser então que exija cortes “na máquina”, “quebrando o sistema”, os “privilégios dos políticos”, como é o credo popular. Ainda que recolha alguns dinheiros assim, teria de empregá-los na redução do déficit e da dívida enormes, tarefa que seria menos difícil caso aprovasse uma reforma da Previdência mais dura, aquela que quer evitar.

Bolsonaro e seu ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) de resto enganam-se sobre o próprio programa de governo, que promete não elevar a carga tributária, o que é diferente de não aumentar tributo algum. Uns impostos podem subir, outros cair, empatando o jogo fiscal, mas causando conflito social, perdas e ganhos. Caso não resolva tal assunto, o presidente vai cometer disparates em vez de apenas dizê-los, o que já fez a respeito de juros, câmbio, impostos e Previdência.

Militares mui próximos e amigos dizem que o presidente vai “acertar a mira” e que três dias de governo não são nada, verdade, embora Bolsonaro precise de alguma “blindagem na comunicação”.

Que seja. Mas o Brasil não é como os Estados Unidos, que têm estrutura para tolerar dois anos de disparates de Donald Trump. A besteira tem lá suas consequências na deseducação geral; causam escárnio, consternação e aflição. Mas a gente razoável no debate público americano trata agora mais das ações do que das perorações estúpidas do Nero Laranja.


Na nossa pobreza institucional, material e intelectual, não temos o luxo de correr riscos nem com o mero tumulto das palavras.
 

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