Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Previdência

A reforma dos pobres e miseráveis

Reforma Bolsonaro-Guedes implica cortes pesados na assistência para desvalidos

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A reforma da Previdência para os pobres ou quase miseráveis tem razões que o coração desconhece.

Estamos falando aqui de idosos e deficientes muito pobres e trabalhadores rurais. A reforma Bolsonaro-Guedes deve ser podada por aí.

Para pensar um pouco no problema, é preciso considerar alguns dados básicos sobre o sistema de assistência social bancado pelo governo federal.

Jair Bolsonaro entrega a PEC da nova Previdência Social ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia
Jair Bolsonaro entrega a PEC da nova Previdência Social ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia - Marcos Corrêa - 20.fev.19/PR

O Bolsa Família paga em média R$ 187,56 por mês a cada uma das 13,9 milhões de famílias miseráveis atendidas pelo programa (quase 50 milhões de pessoas). Na conta para o ano inteiro, custa pouco mais de R$ 31 bilhões.

O INSS paga benefícios a idosos de 65 anos ou mais e a deficientes muito pobres de qualquer idade.

Chamados de BPC (Benefício de Prestação Continuada), atendem cerca de 4,7 milhões de pessoas, 43% delas idosas, que recebem um salário mínimo mensal (R$ 998, em 2019). A conta anual foi de R$ 57 bilhões em 2018.

Na reforma Bolsonaro-Guedes, idosos muito pobres teriam direito a BPC a partir de 60 anos, mas de apenas R$ 400 por mês. A partir dos 70, um salário mínimo. Há grita quase geral.]

A disparidade dos valores de BPC e Bolsa Família ajuda a entender a lógica de fundo da reforma, embora não a sua implicação ou justificação prática imediata. 

A questão é: como se trata de assistência social para gente quase tão igualmente miserável, por que não equilibrar os sistemas? Por que não pagar benefícios parecidos para idosos e crianças (beneficiárias do Bolsa Família)? No entanto, o Bolsa Família não vai aumentar mais.

A conversa fica mais complicada quando se trata também da Previdência rural. É na prática um programa de assistência, pois os beneficiários contribuem com quase nada.

Dos aposentados rurais, apenas 0,3% se aposenta por tempo de contribuição, 7,5% por invalidez e o restante por idade. Na reforma Bolsonaro-Guedes, a idade vai aumentar e, ao que parece, vai ser mesmo exigido o muito difícil tempo de contribuição de 20 anos.

Se for para valer, as novas aposentadorias rurais cairiam quase a zero. Elas representam uns três quartos da despesa previdenciária rural total, que foi de mais de R$ 125 bilhões em 2018 (inclui pensões e outros auxílios), pagos a 9,5 milhões de pessoas.

Primeira pergunta: tem cabimento pagar menos de R$ 998 a essas pessoas? 

Segunda: mas tem cabimento pagar R$ 187,56 para famílias com crianças? 

Terceira: por que não pagar mais para o Bolsa Família e apenas um pouco menos para o restante da assistência (que em boa teoria e prática deve pagar menos que a Previdência)?

Os BPC representam 10% do valor total dos benefícios pagos e afetados pela reforma (excluído o abono salarial); vão custear uns 8% da economia da reforma. Parece proporcional, mas não é, pois se trata de gente muito pobre.

Como evitar o talho nos mais pobres? Mesmo mais imposto apenas atenuaria de leve o problema.

O sistema de assistência brasileiro foi montado em camadas arqueológicas, de partes incongruentes, e causa iniquidade mesmo entre miseráveis. O sistema de Previdência, por sua vez, privilegia os mais ricos, servidores em particular. O sistema tributário privilegia ricos e muitos ricos.

Está tudo errado, e o país decidiu (ou parece que decidiu) consertar parte do problema em um momento de colapso financeiro dos governo e estagnação econômica de gravidade secular.

A solução disso é quase uma guerra civil por outros meios.

 


 


 


 


 

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