Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Reforma tributária

Bode na sala ou salame fatiado, reforma tributária de Guedes cria confusão

Reforma tributária fatiada do governo causa o tumulto previsto e pode emperrar mudança

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Como era previsível, a primeira fatia do salame tributário oferecida pelo governo federal não caiu bem. Paulo Guedes propôs trocar o PIS/Cofins por uma Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). Se fosse alteração isolada, causaria a confusão habitual de rediscussões de impostos, de quem paga mais ou menos, motivo que emperra a mudança desse imposto desde 2014.

O plano Guedes causa mais tumulto porque, se a ideia é fazer reforma “ampla”, não dá para discutir PIS/Cofins sem tratar do peso de outros impostos sobre as empresas.

Há quem diga que a CBS com alíquota alta é um bode na sala, a ser trocado por uma CPMF. O bode de Guedes, no entanto, já mastiga o sofá e faz sujeira sobre o tapete.

Antes de prosseguir, convém lembrar que:

  1. quem recolhe o imposto não é quem o paga. Quanto mais um bem ou serviço for de difícil substituição, mais fácil repassar o aumento de tributação para o consumidor (pense-se no caso de comida, água, luz). Se existe substituto ou a opção de não consumir, é possível que a empresa tenha de engolir parte do aumento do custo ou, caso o repasse, perca mais faturamento;
  2. não é possível calcular aumento de carga tributária com base apenas na alíquota do imposto. Mudanças em tributos mudam comportamentos. Podem tornar empresas inviáveis, permitir o surgimento de outros negócios e incentivam as firmas a criar um modo de se livrarem do tributo. Um projeto tributário não faz sentido sem simular essas transformações.
Paulo Guedes (economia) após entregar proposta de reforma tributária do governo em Brasília - Adriano Machado/Reuters

O PIS/Cofins é um imposto grande, cerca de 18% da receita federal bruta de 2019. Apenas Imposto de Renda, com 28,4%, e contribuições previdenciárias em geral, 27%, têm peso maior. O ruinoso ICMS, estadual, porém, arrecada quase o dobro do PIS/Cofins.

Parece razoável acreditar que a CBS vai aumentar os impostos de construção civil, escolas, saúde ou teles. Pode ser tolerável, a depender do que vai ser feito de outros impostos e do ganho geral da (suposta) simplificação e uniformização tributária. Como não temos ideia do quadro mais geral, fica difícil discutir alíquotas e a conveniência de redistribuição da carga. Esse é um resumo do problema que é a reforma Guedes-Bolsonaro, que além do mais suscita outras ideias de jerico.

Gente do centrão e da oposição de esquerda quer que os bancos paguem mais CBS. Pode ser que a alíquota deva ser calibrada, mas partir do princípio de que bancos têm de pagar mais é má ideia. As consequências mais prováveis desse aumento devem ser o encarecimento dos empréstimos e a diminuição do acesso ao crédito. Se a questão é a iniquidade, trata-se de tributar os rendimentos dos acionistas dos bancos e dos detentores de capital em geral, os mais ricos em particular.

Sim, um objetivo de uma reforma inteligente é uniformizar o quanto possível o peso dos impostos sobre empresas e finança, de modo a evitar distorções ineficientes. A decisão de investir aqui ou ali devem ser pautadas por rentabilidade, não por privilégios fiscais. Um imposto especialmente baixo pode manter vivos negócios de outro modo inviáveis, o que é um uso ineficiente de recursos. Tudo isso é muito elementar.

Mas não estamos discutindo nada disso: alíquotas efetivas e seus efeitos econômicos, justiça e eficiência tributárias, o quadro geral dos impostos. É grande risco de a reforma tributária entrar no pântano caótico que é o padrão de governo Jair Bolsonaro. Tudo porque Guedes tem a ideia fixa da CPMF e mexer com estados e cidades.​

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