Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Cartas já não adiantam mais: elite quer um Bolsonaro sem bolsonarismo

Cartas, manifestos e movimentos de internet querem um Bolsonaro

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A parte mais civilizada do establishment parece acreditar em um Jair Bolsonaro sem bolsonarismo ou resignada com o fato de que ora nada pode fazer a não ser evitar o pior (golpe e golpeamentos). A evidência mais recente desse movimento são as cartas ambientais, embora a tentativa de contenção de danos venha de março de 2019.

Empresários e banqueiros escreveram ao vice-presidente Hamilton Mourão um pedido de proteção da Amazônia e planos de reconstrução da economia orientados por princípios ambientais. Nesta terça-feira (14), ministros da Fazenda e presidentes de Banco Central dos governos da Nova República lançaram por meio de carta à sociedade um programa econômico-ambiental mais amplo, missiva que tem como destinatário oculto o governo da destruição.

Como talvez ainda se recorde, maio foi o mês de manifestos e frentes suprapartidárias, movimentos virtuais contra Bolsonaro, que animava comícios golpistas. Houve o “Estamos Juntos” (de “personalidades” socio-político-culturais etc.), o “Basta!” (gente do direito), o “Somos70%” (propaganda virtual), o “Somos Democracia” (torcidas de futebol nas ruas). Houve ainda manifestos suprapartidários de ex-ministros da Educação e das Relações Exteriores.

Junho viu definhar a flébil e invertebrada frente ampla de partidos, que murchou também devido à oposição de Lula da Silva, que não queria se juntar a arrependidos de Bolsonaro, lava-jatistas, gente que depôs Dilma Rousseff e defensores do programa de Paulo Guedes.

A prisão de Fabrício Queiroz (em 18 de junho) e a ameaça de cadeia para filhos, empresários e milicianos digitais de Bolsonaro contribuíram para dopar o golpismo e, por tabela, as frentes. Os generais assim passaram a ter mais argumentos a fim de conter o autoritarismo mais contraproducente de seu capitão.

As frentes e suas cartas de intenções não têm articulação política (com partidos ou movimentação social mais ampla), sem o que não vão muito longe. Juntas, parecem uma tentativa diferente de normalização de Bolsonaro, mais realista ou desesperada, de enquadrá-lo como governante “normal”, reacionário e incompetente, mas não muito ruinoso ou subversivo.

Desde março de 2019, o parlamentarismo branco de Rodrigo Maia procurara conter a destruição bolsonarista e salvar os dedos da reforma econômica. O Supremo agia de modo similar e colocou Bolsonaro em xeque com as ações contra “fake news” e comícios golpistas.

Mas o jogo mudara um pouco desde abril, quando os generais do Planalto procuraram o centrão a fim de minar o parlamentarismo branco. As dificuldades que a epidemia impôs à articulação no Congresso, além da perspectiva de fim do comando de Maia na Câmara, auxiliaram a manobra militar. Bolsonaro manteve algum prestígio popular com o auxílio emergencial, que alcança 40% da população adulta.

Bolsonaro perdeu o lava-jatismo; apoia-se mais em militares, evangélicos e no volúvel centrão. Continua no propósito de controlar a polícia, capturou a Procuradoria-Geral e oferece vagas no Supremo a juízes que lhe prestarem vassalagem e favores. A guerra cultural ainda comanda Itamaraty, Ambiente, Educação, Direitos Humanos. Há intervenção militar na Saúde, ora mero almoxarifado, bolsonarista por omissão.

Está de pé um pilar do bolsonarismo que não ousa dizer seu nome, a política de Guedes.

O impeachment não cozinha nem em banho-maria. O fogo depende do Supremo, do tom da eleição e do prestígio de Bolsonaro, que pode se manter nos 30% com os auxílios, a calmaria e alguma recuperação econômica. Isso pode durar meses. Nesse ínterim, as elites políticas, econômicas e judiciais oferecem um acordo de “normalização” a Bolsonaro.

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