Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vinicius Torres Freire

Bolsonaro posa de responsável fiscal e fatura politicamente a crise do veto

Presidente aproveitou bobagem do Senado para fazer gol político, mas gosta de um gasto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Os senadores deram uma oportunidade para Jair Bolsonaro fazer um show de responsabilidade fiscal. O presidente fez pose no noticiário e no delírio das mídias sociais. Faturou politicamente uma bobagem demagógica do Senado. Só que não se trata disso, de responsabilidade.

O Senado havia derrubado veto de Bolsonaro a um parágrafo da lei de socorro a estados e municípios. A lei proíbe reajustes de salários e outros aumentos de despesas com servidores de todo o país até o fim de 2021. O parágrafo vetado abria exceção para profissionais de saúde, de assistência social, de limpeza, de policiais etc. envolvidos no combate à pandemia.

Nesta quinta-feira (20), a Câmara validou o veto, em um dia agitado como se estivessem reconstruindo os muros da Bastilha fiscal. Sim, o reajuste não faz mesmo sentido. Sim, há cheiro de queimado na praça financeira. Desde a segunda semana de agosto, as taxas de juros de prazo mais longo voltaram a dar saltos (em julho, haviam voltado a níveis pré-pandemia). Mas quem fez a chacrinha “fura-teto” foi o próprio governo, que de resto não tem projeto organizado para nada, das contas às “reformas”.

Bolsonaro não liga muito para o tamanho da despesa a não ser que: 1) veja uma possibilidade de fazer show midiático; 2) apareça um rolo com consequências notáveis para a sua reeleição.

Presidente Jair Bolsonaro de máscara durante lançamento de programa de expansão de acesso a crédito
Presidente Jair Bolsonaro durante lançamento de programa de expansão de acesso a crédito - Adriano Machado/Reuters

O presidente quer o monopólio da concessão de benefícios e favores. Diminuiu o alcance da reforma da Previdência, deu reajustes para policiais, para as Forças Armadas e bilhões para uma estatal da Marinha fazer navios. Sabota o quanto pode a reforma administrativa e avacalha emendas constitucionais de redução de despesa com servidores que seu próprio ministro da Economia manda para o Congresso.

O próprio Bolsonaro apoiava a exceção que acabou enfim por vetar, por insistência de Paulo Guedes. Ele mesmo cruza a bola que cabeceia para fazer o gol da confusão permanente que é seu desgoverno.

O governo, de resto, fez um show com o tamanho dessa crise do veto. O Senado de fato colocou mais água no moinho das tentativas de elevar gastos, manobras avacalhadas para dar um jeito no teto de despesas sob o pretexto de estimular a economia e atenuar problemas sociais. Nada disso vai prestar, posto dessa maneira. Mas o governo superfaturou essa crise.

Segundo o governo e seus economistas, a derrubada do veto reduziria em dois terços a economia prevista com a proibição de reajustes, coisa de quase R$ 90 bilhões. Esse número não parece fazer sentido algum.

A derrubada do veto não implicaria reajustes, para começar. Para continuar, a despesa com “remuneração de empregados” nos estados e municípios foi de uns R$ 662 bilhões em 2019 (o governo federal está fora da conta porque se supõe que não concederia reajustes, certo?). Seria preciso dar baitas reajustes a todos os funcionários do país inteiro para essa conta parecer razoável.

E daí? Daí que a discussão é uma mixórdia de baixo nível, condizente, portanto, com esse governo. Nas mídias sociais, era possível ler o povo bolsonariano dizendo que os senadores haviam se dado reajustes, por exemplo.

O arranca-rabo desnecessário e de fancaria ajuda a complicar a vida de Guedes no Congresso, em particular no Senado, a quem acusou de cometer “um crime”, o que deixou a turma possessa por lá. A gente podia ouvir senador dizendo “quero ver o seu Guedes vir aqui com cara de pau falando de concórdia e pedindo suas reformas”.

Bolsonaro deve ter ficado feliz como pinto no lixo, na confusão, no caos que o revigora.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.