Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Morte, desgoverno e Lula reforçam reação a Bolsonaro, mas ainda não existe oposição

Sem líderes, confrontos, articulações sociais e ideias não se cria alternativa de poder

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A ideia de que seria preciso tutelar Jair Bolsonaro se disseminou entre os donos do poder e do dinheiro pelo menos desde março de 2019. Desde então, a elite inventa geringonças político-jurídicas a fim de coabitar com esse presidente que ajudou a eleger, com mais ou menos gosto, mas de modo decidido.

Ainda há coabitação, muita vez colaboracionismo. Mas os adeptos da tutela mudaram de tom e modos. Sobreveio o medo da morte. Talvez até os ricos sufoquem sem UTI. Espalhou-se a ansiedade do colapso sanitário e socioeconômico. Aconteceu a ressuscitação político-jurídica de Lula da Silva. O centrão viu que seu arranjo de poder com Bolsonaro poderia ir à breca mesmo antes de começar. Etc.

Foram tentativas de tutela o parlamentarismo branco de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara ou as reações e inquéritos do Supremo, para ficar em exemplos óbvios e maiores. Ontem ou hoje, essas tentativas de tutela serviram para evitar qualquer esforço de oposição (afora na esquerda parlamentar, praticamente irrelevante).

Agora é a vez de o centrão tentar tutelar Bolsonaro, um plano que vinha sendo articulado desde o início de março. Era preciso evitar que o presidente destruísse também o arranjo que deu ao centrão o comando do Congresso e ofertas de capitanias no governo. O “comitê nacional” de combate à Covid-19 é parte dessa estratégia de tutela cúmplice.

De modo improvisado ou acidental, o movimento da “carta” de economistas, financistas e empresários e a manobra do centrão confluíram. Por afinidades eletivas, como diria um velho sociólogo, criou-se uma reação maior a Bolsonaro. Em português menos castiço, o barata avoa da crise de morte pela qual passa o país criou a oportunidade de articulações entre a política partidária e a elite “cartista”.

O risco de botarem de novo o retrato do velho, Lula, no mesmo lugar, contribui para o atropelo com que agora nomes respeitáveis da elite econômica procuram uma “alternativa de centro”. Mais importante, permanece a ilusão (ou cinismo) de que é possível guardar o pudim e comê-lo, contemporizar com Bolsonaro e se livrar dele.

Uma candidatura qualquer, no centro oco da direita ou no vazio de projeto da esquerda, precisa apresentar uma alternativa ao país (isso, ao povo) ou encampar um movimento social de mudança (ora inexistente). Em outras palavras, precisa fazer oposição, negar “isso que está aê”.

Os adeptos dos planos semifracassados de tutela de Bolsonaro jamais fizeram oposição. “Tutela” tinha e tem sentidos variados, a depender do interesse do freguês. Para alguns, Bolsonaro era um preço que valeria pagar (pelas “reformas”, por exemplo). Para outros, confrontá-lo de modo decisivo (CPIs, obstrução, processos) ou decapitá-lo implicaria um custo muito alto em termos de incerteza, do desconhecido que sucede o tumulto político (sempre daninho para os negócios, de resto). Além do mais, seria um projeto de risco, pois o presidente jamais deixou de ter 30% de apoio, no Datafolha (embora quase sempre sua rejeição tenha sido maior do que esses 30%).

Quem pariu e embalou Messias que o aguente. A tutela pouco limita seu poder de destruição e seu projeto de tirania; sem oposição não se cria alternativa de poder.

É incerto se mais duzentos mil mortos e outro semestre de crise econômica feia, pelo menos, causem revolta a ponto de poupar o trabalho de fazer oposição organizada. Oposição quer dizer: líderes, confrontos, articulações sociais, ideias.​

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