Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Ignorância reacionária brasileira pinta Biden, o suave, como estatista e radical

Presidente não é estatista nem Roosevelt e segue certa tradição econômica dos EUA

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Joe Biden quer o “Estado máximo”. Seria um Franklin Roosevelt. A gente lê essas tolices sobre os planos do presidente americano e seu primeiro discurso para o Congresso, nesta semana. Anos de mercadismo tosco e a degradação geral da inteligência no país talvez expliquem a incapacidade de apenas ler ou ouvir o que disse Biden. Quem sabe a tolice na verdade seja contrapropaganda prévia, receio de que mesmo a brisa de conversa mais progressista sopre por aqui.

“Wall Street não construiu este país. A classe média construiu este país. E os sindicatos constroem a classe média. E por isso que estou pedindo ao Congresso que aprove a Lei de Proteção ao Direito de se Organizar... Por falar nisso, vamos aprovar o salário mínimo de US$ 15 [por hora]. Ninguém deveria trabalhar 40 horas por semana e ainda viver abaixo da linha de pobreza. E precisamos garantir mais igualdade e oportunidade para as mulheres”, discursou o presidente.

Biden quer gastar mais? Quer. Se todos os seus planos forem aprovados, o aumento de gasto deve ficar em 1,5% a 2% do PIB americano, por ano, em parte coberto por aumentos de arrecadação e de impostos sobre ricos e empresas (que estão em baixa histórica, de oito décadas). Nem de longe há o “risco” de que os EUA comecem a se parecer com a Escandinávia, com o Canadá ou, “pior”, menos ainda com a França.

Biden em seu primeiro discurso no Congresso americano, em Washington - Melina Mara/Xinhua/Pool

Biden propôs alguma mudança econômica institucional maior? Ainda não. Talvez o faça na regulação ambiental, que terá vida dura no Senado.

No mais, os planos Biden têm duas linhas maiores e uma linhazinha: 1) emprego para gente pobre, que estudou menos e minorias; 2) subsídios para a pesquisa cientifica e tecnológica —até prometeu cura do câncer; 3) remendos na seguridade social.

Biden fala de criar empregos que não serão terceirizados, exportados, para o resto do mundo e de trabalhos que tão cedo não serão feitos por máquinas: gente que cuida de creches, professores de escolas infantis, cuidadores de idosos e deficientes, operários de construção civil e serviços conexos (90% das vagas do plano de empregos não exigem formação universitária, disse).

Fala de pagar a faculdade comunitária: dois anos de ensino superior técnico em escolas locais. Jill, a primeira-dama, dá aula em uma faculdade dessas. Fala de licença familiar e médica paga de 12 semanas, de desconto de impostos para quem tem filhos, de baixar o preço do remédio e do plano de saúde. “Estado máximo”?

De início, o plano não dá conta, por si só, de fatores fundamentais da polarização de renda e educação, dos riscos socioeconômicos da automatização e dos empregos que migram para países em que se paga salário menor.

“Roosevelt”? Roosevelt praticamente inventou o Estado americano, em tamanho de gasto e instituições, e fez com que a figura do presidente americano se ocupasse decisivamente de economia (antes, era mais comandante em chefe, líder diplomático e político-moral).

Sim, Biden tem grandes planos, consideradas as expectativas reduzidas e a desumanidade reacionária do nosso tempo. Caso não invente um projeto de mudança ambiental profunda, pode fazer guinada importante, retomando linhagens antigas de política econômica americana, “hamiltonianas”, mas não reviravolta. Vai subsidiar a pesquisa e desenvolvimento das empresas (o que foi feito maciçamente desde a Segunda Guerra até o desmonte Reagan, que não foi total, aliás).

No mais, vai tentar remendar a selvageria dos últimos quase 40 anos de desigualdade crescente e de esvaziamento do miolo social americano.

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