Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

No caso CoronéVac, quem não for ladrão é burro ou coisa pior

Mera zorra da administração pública sujeita a turma a penas de vários códigos legais

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Qualquer Zé Mané pode oferecer um negócio de bilhões em vacinas ao Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro, como ficou evidente graças a reportagens desta Folha e investigações da CPI da Covid. Talvez seja possível mesmo negociar bondes, terrenos na Lua ou remédios fantasmagóricos. Se o negociante tiver amigo militar, pastor ou propagandista do bolsonarismo, a conversinha fica ainda mais facilitada. Uma empresinha americana que de costume vende umas dúzias de pias e torneiras negociava um lote imaginário de centenas de milhões de doses de AstraZeneca.

Quase todo mundo já sabe desses rolos.

Como nenhum desses negócios foi fechado e como até agora, não surgiu prova de propina ou “comissão”, pode parecer que seja difícil enquadrar a turma do chopinho bilionário ou do lobby, que fazia filminho do negócio com os coronéis da Saúde e ganhavam tapinha nas costas de Eduardo Pazuello. Em um caso, se pode dizer que não há evidência de que alguém levou dinheiro; em outro, pode parecer que os envolvidos seriam apenas idiotas incapazes. Isto é, quem não for ladrão, é burro. A coisa vai além, no entanto.

Tem como enquadrar a turma toda, é preciso fazer uma varredura em qualquer compra emergencial do ministério, desde 2020, pelo menos, e a CPI precisa encaminhar proposta de reforma urgente sobre a estrutura administrativa desse ou de outros ministérios. Qualquer picareta pode ser nomeado para cargo com tinta na caneta bastante para gastar bilhões.
As compras de emergência, ainda mais na epidemia ou em catástrofes outras, podem ser feitas com dispensa de licitação. A lei 14.124, de março de 2020, regulamentou de modo ainda mais folgado, digamos, os procedimentos de compras de vacinas. Ainda assim, mesmo sem licitação, no caso da Covid, da dengue, de inundação ou terremoto, as contratações devem respeitar princípios, alguns deles precisamente idênticos aos processos de licitação. Entre esses princípios, os mais gritantemente óbvios são os de moralidade, isonomia e igualdade.

O que querem dizer “isonomia” e “igualdade”? Que não pode haver tratamento diferente para quem queira vender algo ao governo. Que todos saberão do interesse oficial em comprar alguma coisa, que os atos da administração pública são PÚBLICOS. Que as ofertas serão julgadas de modo imparcial, comparadas por critérios objetivos e públicos.

Além de afogar tais princípios em um chopinho e em um aperto de mão com o general ou coronel, ficou evidente que o governo é uma zorra, que procedimentos inexistem e amigos do coronel, do pastor ou do militante bolsonarista podem subvertê-los.

Além do mais, qualquer cartilha escolar de sociologia ou de direito vai explicar que burocracias profissionais seguem procedimentos impessoais, rotinas, que têm sistemas de checagem de cada momento decisivos de processos, que tais processos são registrados, que os atos referentes a cada um desses passos têm de ser aprovados por alguém legalmente autorizado a fazê-lo. Etc.

No caso Coronévac ou do chopinho da AstraZeneca, ficou evidente que foram cometidos crimes contra princípios elementares da administração pública e outras tantas violações de normas que estão descritas das leis de licitação à Constituição, passando pelo Código Penal e pela lei do impeachment. Por falar em lei do impeachment, também ministros de Estado a ela estão sujeitos: os crimes “simplesmente tentados” contra a “probidade na administração” são passíveis de pena.​

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