Lá pelo início do ano que vem, a gente vai voltar a ver um Brasil parecido com o do meião do governo de Michel Temer, fins de 2017, em termos de taxa básica de juros. Isto é, uma Selic perto de 8,5%, com inflação do ano seguinte rondando 3,5%, se o arrocho monetário funcionar. Não é improvável que o crescimento da economia fique perto de 1%, padrão Temer, embora a esta altura previsões de PIB para o ano seguinte costumem ser muito chutadas e muito erradas.
De maior, mais importante e mais visível adiante é que a economia do Brasil é um barquinho sem motor, com um leme que mal funciona; que a vida da larga maioria do povo não vai mudar no ano que vem. Dados o desgoverno agora praticamente sem conserto e as turbulências pelas quais o país vai enfrentar, teremos sorte se evitarmos naufrágio.
A contar de agora, temos adiante:
1) de esperar uma gambiarra não muito maluca para o pagamento da dívida dos precatórios de 2022, um calote provisório ou um gasto acima do teto, que vai bancar o Bolsa Família verde-amarelo;
2) saber se a chuva vai evitar o apagão;
3) o risco de desaceleração chinesa;
4) o risco de que a inflação mundial causada pela falta de insumos, entre outros problemas, não arrefeça;
5) a mudança da política monetária dos EUA a partir de novembro;
6) a possibilidade de Jair Bolsonaro botar fogo no coreto;
7) os solavancos econômicos e financeiros típicos de qualquer eleição, piorados pela presença ruinosa de Bolsonaro e pela aversão da elite a Lula.
A gente mal sabe como o ano vai terminar. Afora um desastre grande, a economia ao menos recupera o que perdeu em 2020. No comunicado que soltou depois de aumentar a Selic de 5,25% ao ano para 6,25% ao ano, o Banco Central fala em “recuperação robusta do crescimento econômico ao longo do segundo semestre”.
Os riscos podem diminuir. É preciso que Bolsonaro fique preso na casinha; que Paulo Guedes não cometa nenhuma incompetência nova e grande. É preciso que a gambiarra do Orçamento (precatórios etc.) não seja lá escandalosa; que a política econômica seja pelo menos um feijão-com-arroz.
Se pelo menos a taxa de inflação entrar nos trilhos, alguma coisa estará no lugar, não se sabe a que custo. Afinal, trata-se de desinflar uma economia já ociosa, descontadas as dificuldades em tese momentâneas de comprar insumos, o que paralisa ou encarece a produção da indústria, por exemplo.
Na praça, há discussões sobre qual o nível da “taxa de juros neutra” (0,25 ponto percentual para lá ou para cá?) e quão mais contracionista deve ser a política do Banco Central (mais 0,25 ou 0,5 ponto além de uma Selic de 8,25%?). Mas essa conversa parece francamente desvairada. Sim, convém evitar riscos de inflação desembestada, mas o jogo nem vai ser decidido nessas minudências.
Adianta pouco consertar o vidro quebrado da janela se vai passar um furacão e o telhado está podre. Não é uma previsão de que vai haver estouros e mesmo de que não possa, com muita sorte, vir um crescimentozinho de 2% em 2022. Trata-se só de dizer que nos ocupamos de ninharias, que pouco se pode fazer para evitar os danos dos riscos que temos de enfrentar até 2022. De tão mentecapto e perverso que é, Bolsonaro não se valeu nem do impulso que tirava a economia do chão neste ano, ajudado por vacinas, de resto.
Quem tem poder no país, de resto, se ocupa de um arranjo para apaziguar Bolsonaro e empurrar com a barriga esta muvuca até o fim do ano que vem.
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