Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Descrição de chapéu Ásia

China não diz se vai salvar Evergrande, mas mundo rico vive calmaria doida

Fora o paniquito de segunda-feira, os donos do dinheiro parecem estranhamente tranquilos

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Não há notícia ou comunicação oficial do que o governo da China pretende fazer caso a Evergrande dê calotes. Os rumores menos imprecisos não abalaram o mercado financeiro dos Estados Unidos até esta quinta-feira (23), tais como os publicados pelo “Wall Street Journal” (WSJ), jornal ocidental que parece menos desinformado sobre o que se passa na política da finança chinesa. Segundo o WSJ, o governo chinês teria dito aos governos locais que “se preparem para a possível tempestade”.

Note-se de passagem que os governos locais estão profundamente envolvidos em negócios e financiamento imobiliários, quando não são responsáveis pelo excesso de endividamento e investimento no setor.

Isto é, o governo central da China estaria para deixar a Evergrande quebrar, embora possa distribuir alguns colchões, como o dinheiro que o Banco Central deles colocou no sistema financeiro. No mais, pede a governos locais que assumam obras paradas, tentem limitar o desemprego e protestos dos já em parte irados compradores de imóveis da gigante imobiliária. Basta? Hum.

Placa no edifício central da chinesa Evergrande em Hong Kong, na China - Tyrone Siu - 23.set.2021/Reuters

Credores, potenciais investidores e consumidores tendem a se retrair ou dar no pé, em caso de quebra operística. Isto quer dizer financiamento mais caro, mais escasso, menos vendas, preços menores. Pode ser que imóveis que sirvam de garantia para empréstimos percam valor. Pode ser que bancos fiquem mal das pernas. Assim, a Evergrande pode levar outras empresas no abraço do seu afogamento, não apenas aquelas do seu ramo.

Uma desgraça dessa, caso o dominó comece mesmo a cair, pode derrubar o crescimento do país, a não ser que o governo chinês invente alguma nova mágica com estímulos fiscais ou de crédito, o que não parece fazer muito sentido (se é assim, por que não tentaria administrar e amortecer a queda da Evergrande?).

Qualquer leitor de jornais pode imaginar que, se a China crescer menos, os países dependentes do império das commodities vão sofrer, com o que haverá alguma fuga de dinheiros desses lugares (como daqui, do Brasil), tudo a depender do tamanho do estrago primeiro. A desvalorização de ativos financeiros pelo mundo “emergente”, ao menos, pode, sim, causar acidentes e estragos na finança do Ocidente.

Como se trata apenas de uma cadeia hipotética de eventos, sem preços, sem dimensão de valores, pode se especular sobre problemas de tamanho variado, se por mais não fosse porque dificilmente se sabe onde vão dar crises financeiras. Por enquanto, fora o paniquito de segunda-feira, os donos do dinheiro (exceto os da Ásia) parecem estranhamente tranquilos.

Um tombo do tamanho da Evergrande, ainda mais sem amortecedores, lançaria desconfiança sobre muito negócio na China que ora parece garantido, em última instância, pelo governo e que não ficaria em pé caso dependesse apenas de análise de endividamento e de risco de crédito. Sim, alguém pode dizer que foi mais ou menos assim que a demência da bolha imobiliária americana dos anos 2000 foi inflada e subiu às alturas: com picaretagem ou crime do setor privado e esperança de que o governo fosse limpar eventual lambança.

A comparação, porém, não ajuda ninguém a ficar tranquilo.

Na melhor das hipóteses, o governo chinês interviria e administraria a crise com sucesso: os donos dos negócios alavancados iriam à breca, haveria algum saneamento, menos dívidas exageradas etc., com tudo voltando aos trilhos.

Pode ser que os chineses consigam: faz mais de 20 anos, frustram as profecias de que seu modelo de crescimento vai se esgotar. Mas a coisa não está cheirando bem. No mínimo, o cheiro de queimado vai nos intoxicar aqui no Brasil.

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