Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Depois de Bolsonaro, é preciso desbozificar instituições e ideias do país

Manipulação e crimes de Estado, mentira e política negocista devem ser contidos

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Um procurador-geral da República sério pode criar problemas sérios para um presidente da República delinquente. Um procurador venal da República pode vender sua alma para um presidente que o seduza com a promessa de uma cadeira no Supremo.

Qualquer presidente pode oferecer essa mamata. Existe a oportunidade de mutreta judicial também por meio da manipulação de ministros da Justiça, diretores da Polícia Federal ou ministros de tribunal superior.

Jair Bolsonaro expôs de vez essas vergonhas. Talvez seja o caso de proibir por lei que chefes da procuradoria, da polícia ou da Justiça possam ser indicados para tribunal superior pelo mesmo presidente que os nomeou para aqueles cargos.

O presidente Jair Bolsonaro - Adriano Machado-14.dez.21/Reuters

É apenas um exemplo do que é preciso pensar assim que o país eleger uma ou um presidente que habite o universo da razão e da decência mínimas. Com Bolsonaro, deve ter ficado clara a ameaça terminal ao direito, à democracia e à vida por meio da intervenção tirana em órgãos de Estado. Devem ser feitas mudanças que reforcem a imunidade das instituições e ao mesmo tempo promovem uma desbozificação do país.

Um problema sério é o que fazer do partido militar, dos milhares de integrantes das Forças Armadas que usufruem da boquinha rica, que pregam tortura, ditadura e golpe, para não falar da politização dos comandos.

Caso uma burocracia profissional desaloje os militares de suas bocas, há risco de revanche. Ainda que não seja assim, ficou evidente que gente armada voltou a ameaçar a política e o funcionamento das instituições, Supremo inclusive. Falta um novo estatuto explícito e implícito para as Forças Armadas e polícias.

É preciso criar meios para que o governante seja rápida e constrangedoramente chamado às falas ou ao tribunal em caso de mentira e manipulação ou ocultação de dados. A mentira é a condição essencial de Bolsonaro.

Tentou esconder números da epidemia. Tenta até hoje manipular informações sobre desmatamento e queimada. Colocou em dúvida dados do IBGE (que pode muito bem ser criticado em debate especializado, o que é difícil, pois procura seguir os melhores padrões técnicos). A Lei de Acesso a Informação acabou por se transformar em mais um instrumento que o Estado tem para agir às escondidas do público. Há lei para qualificar a mentira contra a ordem, a paz e a saúde públicas. Mas é preciso aumentar o risco de que o mentiroso-mor vá para o cadafalso judicial.

Presidente algum vai se sentir ameaçado se puder comprar também um presidente da Câmara dos Deputados, com sua capacidade imperial de decidir sobre processos de impeachment. Um colegiado amplo, com participação relevante da oposição, deve ficar com esse poder. Não se trata de facilitar deposições, mas autoridades devem ter medo da degola.

Claro que apenas reformas institucionais localizadas não vão dar conta da degradação. É preciso dar um jeito no sistema político autocentrado, fechado, impermeável à participação democrática, dedicado à mera autopreservação, um bando de partidos negocistas criado por incentivos perversos.

Ainda é pouco. O país está em revolta faz oito anos, ao menos. Por vezes, são pontuais (Junho de 2013). Outras são de "longa duração": a massa jogada nas periferias por décadas se revoltou em parte por meio da religião politizada, por exemplo. A indiferenciação dos partidos políticos e a falta de resultados sociais profundos da política no período de eleições livres desacreditou a democracia e tornou atraentes soluções autoritárias.

A desbozificação é mais do que desbolsonarização: tem de lidar também com o pântano em que isso brotou.

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