Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu mercado de trabalho

Salário médio não era tão baixo desde 2012 e vai ficar assim em 2022

Tendência à precarização talvez venha a ser reforçada por mudanças causadas pela epidemia

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Os rendimentos do trabalho, "salários", não eram tão baixos desde 2012 –desde que se tem um registro comparável nas estatísticas do IBGE. Em 2022 vão continuar assim tão baixos, afora milagres. Será uma década de pobreza.

Um motivo dessa pobreza é o fato de que os novos postos de trabalho são ruins: de baixa qualificação, pagam pouco, são inseguros. Esse quadro piorou na recessão de 2015-2016, mas já vinha de antes, indicam estudos de economistas. Na epidemia, a situação deve ter se agravado.

Temos problemas crônicos. Um sintoma do mal é o crescimento médio de 1,4% ano da economia depois da recessão, em 2017, 2018 e 2019. Em 2021, o país vai recuperar o que perdeu em 2020, mas não o que deixou de crescer no ano um da epidemia (mesmo naquele ritmo de quase nada, de 1,4% ao ano). Em 2022, a previsão é de crescimento menor do que 1,4%, se houver algum avanço.

Carteira de trabalho e previdência social - Gabriel Cabral - 22.jul.2019/Reuters

Nesse ambiente, é muito improvável alguma recuperação do rendimento médio dos "salários". A inflação deve ficar em 5% no ano que vem. Ou seja, apenas para não perder da inflação (para não recuar outra vez, em termos reais), o rendimento médio do trabalho teria de crescer esses 5% no ano que vem. Neste 2021, até outubro, a queda foi de 2% em relação a 2020 (no rendimento habitualmente recebido, em termos nominais, sem descontar a inflação). Descontando a carestia, a perda foi de 11%, segundo dados divulgados nesta terça-feira (28) pelo IBGE.

Ou seja, é muito difícil que em 2022 a estagnação dos salários não faça 10 anos de idade. Na melhor das hipóteses, o PIB mal vai andar e a taxa de desemprego será similar. Mesmo neste ano de 2021, de perspectivas de início melhores, houve frustração bem inesperada de crescimento. A economia não reagiu bem à reabertura e à vacinação. Sim, inflação em alta, o choque do morticínio de março a julho e a desordem causada pelo governo acabaram por arruinar o resto de esperança. Mas não parece ter sido apenas esse o problema.

Desde a recessão, a proporção de pessoas que trabalha em empresas privadas com carteira assinada caiu. Desde então ficou parada em nível baixo (passou de 40% do total dos ocupados em 2014 para a casa dos 36% em 2018 e por aí ficou). Aumentou o número de trabalhadores "por conta própria" (que podem ser qualquer coisa, do autônomo mais remediado com CNPJ ao ambulante totalmente precário).

A tendência à precarização ou o recurso a variantes de trabalho "por conta" talvez venha a ser reforçada por mudanças causadas pela epidemia (automação, home office etc.). É uma hipótese, ainda não sabemos. De menos incerto é que esses trabalhadores "por conta" não são montes de consultores ou prestadores de serviços sofisticados. A larga maioria é, francamente, bico mesmo.

Os trabalhadores "por conta própria com CNPJ" ganham 38% mais, em média, do que assalariados com CLT; os "por conta própria sem CNPJ" ganham 38% menos. Mas os "por conta" formalizados, aqueles com CNPJ, são apenas um quarto do total da massa dos trabalhadores "por conta".

Em suma, o ano que vem será difícil para o trabalho outra vez, mas não apenas por problemas de conjuntura. A baixa da qualidade do emprego vem desde antes da recessão, piorou depois de 2015-2016 e, pelos indícios mais gerais, a partir de 2019 ficou na mesma, ruim, sujeita ainda a chuvas e a trovoadas da tendência à automação e de outros processos de enxugamento de trabalho mais qualificado.

Se em 2023 não tivermos um governo disposto e capaz de fazer uma reviravolta grande e rápida, muito além do que imaginam estereótipos de esquerda e direita, estaremos muito lascados.

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