Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu inflação juros

Caiu chuva, cai o dólar, inflação ainda sobe, Bolsonaro se segura

Crise da eletricidade passa, real se valoriza, mas preços ainda fervem por vários motivos

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As represas das usinas hidrelétricas não tinham tanta água em fevereiro desde 2014, quando passaram a ocorrer secas horríveis, com risco de racionamento e conta de luz cara. O preço do dólar cai desde o início do ano, mas é cedo para haver refresco nos preços, ainda que a valorização do real possa conter reajustes dos combustíveis, no curtíssimo prazo. A inflação alta ainda vai longe, no ritmo de pelo menos 9% ao ano até junho.

Não é registro de mera aritmética econômica. A inflação tem efeito direto na veia da política. É um dos motivos pelos quais Jair Bolsonaro e comparsas tentam inventar medidas para agradar a tais e quais grupos, limitados, mas que talvez rendam votos suficientes para garantir uma vaga no segundo turno.

Quanto à inflação, apesar das chuvas, do alívio na eletricidade e da surpresa grande e agradável da baixa recente do dólar, a coisa vai mal ainda.

Cédulas de dólar americano - Rick Wilking - 3.nov.2009/Reuters

Não aconteceu a baixa do preço de commodities (coisas como petróleo, grãos, minérios). A safra recorde de grãos murchou por causa da seca no Sul, com perdas na soja e problemas no milho e no arroz, o que também encarece óleos e rações, o que bate no preço das carnes.

É possível que a situação ainda piore, por causa da guerra ou quase-guerra na Ucrânia, que afeta preços de petróleo, gás natural, grãos e óleo de cozinha, pelo menos. A inflação de alimentos no Brasil voltou a dar uma piorada também por causa das chuvas que prejudicaram as hortas.

Os preços da indústria continuam pressionados, como diz o clichê de mercado, por causa do dólar muito caro até dezembro e pela persistente escassez mundial de insumos. Os problemas de abastecimento das fábricas demoram a passar até por causa da ômicron, de que pouco e cada vez menos se fala, mas que provoca distúrbios econômicos e mata muita gente (mais de 800 pessoas por dia no Brasil, mas esquecemos desse assunto).

O IPCA-15 foi a 10,8% ao ano em fevereiro (taxa acumulada nos últimos 12 meses dessa versão do IPCA que mede a variação de preços de meados de um mês a meados do mês seguinte). A inflação de alimentos, que chegou a 19% ao ano em fevereiro de 2021, subia mais devagar, mas voltou a acelerar para 9,5% em fevereiro.

Bolsonaro e cúmplices tentam se virar. O governo federal tentou faturar o reajuste previsto de mais de 33% para professores do ensino básico. Vai tentar passar esse saque de R$ 1.000 do FGTS, o que alivia a vida de uns 40 milhões. A renegociação do Fies (o financiamento público de mensalidade de faculdade privada) começa em março e pode ajudar 1 milhão de estudantes (ou ex-estudantes).

Parece que foram para a gaveta as ideias desastrosas de reduzir impostos de combustíveis ao custo de dezenas de bilhões, mas deve haver alguma redução de imposto, para o diesel e para produtos industrializados. Sabe-se lá se ou quando tais cortes de tributos vão chegar aos preços, mas é uma tentativa que o demagogo pode alardear.

Mais que isso, a redução de impostos pode até resultar em algum pequeno estímulo econômico, embora não se saiba na mão de quem esse dinheiro vá cair. Se aparecer também o dinheiro do FGTS, mais um tico de ajuda.

É tudo muito pouco e sujeito aos solavancos grandes que virão ao longo do ano —ainda pode haver guerra feia, ainda haverá aumento de taxas de juros nos EUA, a campanha eleitoral pode balançar dólar e juros por aqui, a depender dos disparates que vamos ouvir na campanha.

É pouco, ressalte-se. Mas, por ora, Bolsonaro joga para perder de pouco no primeiro turno. Indo para o segundo, fica viva inclusive a oportunidade de promover um tumulto golpista.

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