Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu PIB inflação juros

O PIB melhorou, mas pouca gente sentiu no bolso, na pele ou na alma

Importa mais a vida cotidiana, que é de gente catando o que comer no lixo, largada na rua e de carestia horrenda

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O desempenho da economia no primeiro trimestre vai ser muito melhor do que o esperado não faz mais do que um par de meses. Os números do PIB saem nesta quinta-feira. Outros indicadores continuam a mostrar melhora. Ou ao menos despiora: isto é, avanço em relação a uma situação muito deteriorada, ganhos que não compensam ainda as perdas, "crescimento sobre base baixa", como se diz no jargão.

Um desses avanços é na situação do emprego, com o copo meio cheio do aumento do número de pessoas empregadas, e com o copo furado dos salários, os menores da década e com despiora interrompida no mês passado. Os números do emprego foram divulgados nesta terça-feira (31) pelo IBGE.

Para quase todas as pessoas, os números do PIB causam tédio, indiferença ou descrença irada. Basta dizer que a economia ao menos despiorou para ser objeto de ira de bolsonaristas ou oposicionistas, ao mesmo tempo. Pouca gente liga porque importa mais a "sensação térmica", a vida cotidiana, que é de gente catando o que comer no lixo, largada na rua e de carestia horrenda.

Consumidores fazem compras em rua comercial de São Paulo - Amanda Perobelli - 19.jun.2020/Reuters

Ainda assim, algo se move, o que tem se escrito nestas colunas faz também um par de meses.

O número de pessoas com algum tipo de trabalho voltou a crescer. No trimestre encerrado em março de 2022, o número de pessoas ocupadas era 8,2 milhões de pessoas maior do que em março de 2021. Em abril, na comparação anual, o aumento foi de 9 milhões. A taxa de desemprego voltou a cair. Para os meses de abril, é a menor desde 2015.

O ano passado ainda era de epidemia horrenda. Mas o número de ocupados é crescentemente maior também em relação aos meses de 2019 (3,3 milhões a mais do que em abril de 2019).

Os "salários" (rendimentos do trabalho) continuam os menores da década, em termos reais (descontada a inflação), desde 2012, desde quanto há estatísticas comparáveis.

Outra vez, em maio, a confiança de quase todos os setores aumentou (indústria, comércio e serviços, menos construção civil, em abril; em abril, havia diminuído apenas no comércio), segundo a pesquisa da FGV. O nível de utilização da capacidade de produção indústria voltou a subir.

A arrecadação federal de impostos teve outro salto imenso, mais de 10% em termos reais em um ano, em abril. É resultado de inflação, mais impostos pagos por empresas, especialmente as beneficiadas pela alta dos preços de commodities (grãos, petróleo, minério).

Onde se vê tal melhoria? Mal se enxerga, pois se trata de despiora em um país que não estava tão pobre faz mais de década, em que houve desestruturação social enorme, precarização do emprego e incapacitação de muita gente para o trabalho (por desemprego de longa duração, por incapacitação para novas funções etc.).

No entanto, para os 9 milhões que arrumaram algum trabalho, a situação passou do desespero para a dureza, de nenhuma renda para alguma, o que deve ter contribuído para a melhora de Jair Bolsonaro nas pesquisas até março e a manutenção de seus índices neste maio (Lula subiu, mas Bolsonaro não caiu).

Essa despiora vai durar? A média das previsões dos economistas diz que não, que a piora começa em julho. Os benefícios de alta de commodities, reconstrução de setores arrasados na epidemia e anabolizantes como o saque parcial do FGTS vão perder efeito ou terão sua força reduzida pela inflação persistente (que pouco vai melhorar com a demagogia dos combustíveis) e pela alta de juros (que vai bater na construção civil e nos bens duráveis).

Se a despiora é fogo de pouca palha, isso vai ter algum peso na disputa eleitoral; quanto mais durar, melhor para Bolsonaro. Sim, há outros fatores de desprestígio. Mas convém prestar atenção.

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