Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Estelionato eleitoral de Bolsonaro pode adiar recessão prevista para resto do ano

Situação social é horrível, mas estamos falando de despioras, de melhoras relativas a partir do fundo do poço

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A PEC dos Bilhões vai dar mais dinheiro a pelo menos 20 milhões de famílias. As leis que mexeram em impostos estaduais e federais vão diminuir um tiquinho das contas de luz e o custo de encher o tanque de todo o mundo.

Discute-se se tais dinheiros vão melhorar a avaliação de Jair Bolsonaro. Mas poderiam também evitar que a economia entre no vermelho? Nas previsões mais reputadas da praça, ou de costume menos erradas, o PIB começaria a cair neste terceiro trimestre.

O presidente Jair Bolsonaro segura papéis na frente do rosto, durante evento em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, durante evento em Brasília - Evaristo Sá - 29.jun.22/AFP


Se a ideia de PIB parece abstrata, considere-se então a taxa de desemprego. Naquelas previsões, a taxa de desemprego aumentaria daqui até dezembro. O desemprego em geral cai ao longo do ano. Costuma aumentar apenas em recessões.

As reduções de impostos e o gasto extra com auxílios podem aumentar a renda disponível das famílias de R$ 37 bilhões a R$ 52 bilhões no terceiro trimestre (até logo antes da eleição), na hipótese de a redução de tributos sobre combustíveis chegar inteira ao consumidor. A variação da estimativa se deve ao fato de que os novos benefícios talvez não sejam pagos já em julho.

Não é pouco dinheiro. A liberação do saque parcial do FGTS e a antecipação do 13º dos benefícios do INSS devem ter aumentado a renda total em R$ 86 bilhões no segundo trimestre. Pode ser que os recursos do pacotão da PEC compensem parte dos estragos previstos para a segunda metade do ano. Estragos haverá.

Tende a ser cada vez menor o efeito da reabertura da economia depois do fim das restrições sanitárias oficiais. A poupança das famílias cai. As taxas de juros ficam mais salgadas. O vento a favor da economia mundial vai passando —no primeiro trimestre, evitou que o PIB brasileiro ficasse no vermelho.

Na média de maio, o dólar custou R$ 4,96. Na semana passada, havia voltado à casa de R$ 5,30. As taxas de juros no atacadão de dinheiro aumentaram. É tanto o efeito do mercado mundial azedo quanto de coisas como a PEC dos Bilhões.

Mas pode ser que as coisas não fiquem logo tão ruins. Países que vendem commodities (comida, petróleo, minérios), como o Brasil, podem sofrer menos com a baixa da economia mundial, ao menos de imediato.

O número de pessoas ocupadas cresce além do previsto. O salário médio continua um horror, ainda quase 6% menor do que no ano passado, mas vem despiorando (a baixa anual era de quase 9% em novembro de 2021). A massa de rendimentos (soma dos rendimentos do trabalho de todo mundo) vem aumentando também desde novembro, ora em alta de 4,6% ao ano. Em maio, o número de pessoas com algum tipo de trabalho era 9,4 milhões maior do que em maio de 2021.

A confiança de empresários e consumidores cresceu ainda em junho, segundo a FGV. O ânimo nem chegou ao nível de otimismo, mas ainda aumenta.

Sim, senhora, a situação social é horrível, mas estamos falando aqui de despioras, de melhoras relativas a partir do fundo do poço.

É possível que os dinheiros do estelionato eleitoral de Bolsonaro, aliás ratificado pela oposição da esquerda à direita, não bastem para compensar o vento frio e contrário que começa a soprar neste terceiro trimestre. De resto, pode ser que essas previsões estejam erradas. Afinal, as estimativas de alta do PIB em 2022 feitas por gente mais reputada vão de 0,9% a 1,8%. Muita diferença, mesmo para uma mixaria de crescimento.

Ainda assim, é razoável especular que o adiamento da recessão e a PEC dos Bilhões possam fazer algum efeito eleitoral. Quem sabe rendam a Bolsonaro dois pares de pontos nas pesquisas, o bastante para evitar derrota no primeiro turno. A piora da crise fica para 2023. É o estelionato eleitoral.

Vinicius Torres Freire

Colunista da Folha

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