Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O Brasil que finge não ter nada a ver com o golpe de Bolsonaro

Na ressaca do show golpista, Brasília estava quieta e há um esboço de acordão

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O Brasil oficial e oficioso saiu de fininho do palco e da plateia do mais recente show da turnê golpista de Jair Bolsonaro.

Políticos governistas, publicitários da reeleição, gente das Forças Armadas ou do Itamaraty dizem a jornalistas que nada tiveram a ver com o espetáculo em que Bolsonaro enxovalhou a democracia para diplomatas estrangeiros. Tudo foi obra da camarilha íntima do bolsonarismo. No mais, Brasília estava quieta no dia da ressaca do show golpista.

"Você não acredita no que sai nos seus jornais?", pergunta um general ao jornalista. "Bolsonaro é isso aí. Junta uns dois ou três com quem ele come sanduíche com guaraná, mais um camarada [colega de farda] imprudente, uns malucos com quem ele confraterniza no Palácio e dá nisso. Ele não ouve ninguém, vive em outro universo".

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O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

Note-se de passagem que, para esse general da ativa, não haveria "problema" com um governo do PT. Os militares esperam apenas "respeito à autonomia, às capacidades e às condições de trabalho" —inclui cargos, salários e aposentadorias bons e dinheiro para armas. Uma tentativa de acordão começou.

Um diplomata com cargo alto diz que o Itamaraty não participou da "organização do evento", do show golpista, "a cargo da Presidência da República". Parlamentares do governismo dizem e vazam pelos jornais, como o fazem desde o ano passado, que já desistem de dissuadir Bolsonaro de fazer discursos atrozes, pois são democratas, pragmáticos.

É como se Bolsonaro estivesse sozinho, fosse um inimputável ou psicopata "lobo solitário", uma espécie de Unabomber da democracia (Unabomber, o terrorista doméstico americano que mandava bombas entre os anos 1970 e 1990). É também uma variante da conversa de que não haveria golpe porque Bolsonaro não teria apoio militar, parlamentar ou social para instaurar um governo autoritário.

Não têm consequências práticas os processos do bolsonarismo no Supremo, que de resto não toma atitude decisiva quanto à bandalha com emendas parlamentares ou sobre coisas como o calote nos precatórios, que bateriam de frente com o governismo. Melhor "distensionar" o ambiente.

Assim, Bolsonaro permanece livre para delinquir. O golpe prossegue, com a desativação das instituições, de um Congresso prestante inclusive.

Pencas de associações de advogados, procuradores, etc. e mesmo sindicatos da Polícia Federal e da Abin defenderam as urnas das mentiras de Bolsonaro. Até o momento da redação destas linhas, início da noite de quarta-feira, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e regente do governo, estava desaparecido, assim como Augusto Aras, o procurador-geral que não acha nada.

É verdade que muito parlamentar está de férias ou cuidando de campanha, dele ou dos parentes, o que explica parte do silêncio. Mas, fora o "business as usual" da oposição, nem o miolo mole dos parlamentares que fica entre a esquerda e o centrão fez escândalo.

Os autores de manifestos e cartas de repúdio ou de abaixo-assinados de Terceira Via, os coletivos da elite, digamos, ficaram quietos. A esquerda, a oposição ou democratas em geral não têm capacidade, interesse ou apelo para levar gente às ruas. Para aumentar o vexame, o Departamento de Estado dos EUA fez mais barulho contra o show golpista do que muita autoridade ou "sociedade civil" brasileira.

Para muita gente, para muito colaboracionista vira-casaca inclusive, se a gente ficar quieta e rezar, Bolsonaro vai passar e ninguém vai ficar com a ficha suja por ter apoiado o delinquente. Não querem tratar essa doença ruim e que ainda pode matar. Um esboço de acordão começou.

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