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Esta coluna é uma parceria da Folha com o Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp).

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Políticas de transporte e eleições: o que as propostas (não) trazem

Candidatos prometem mais do mesmo, e ninguém se propõe a mexer na estrutura do sistema

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Ciro Biderman

É professor do programa de Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo e Pesquisador Principal do FGV CEPESP

Leonardo Bueno

é economista, doutor em administração pública (FGV/EAESP) e atualmente é aluno de Ph.D. em Ciência Política pela UCSD. Pesquisador filiado ao FGV Cepesp

Como sempre, o transporte tem grande destaque nos programas dos candidatos a prefeito de São Paulo. Não é à toa, pois a qualidade da mobilidade urbana tem avançado pouco. Apesar do aumento da malha cicloviária, as bicicletas ainda representam pequena parcela das viagens; as pessoas continuam levando mais de duas horas para chegar no trabalho; ainda há pouca prioridade para o pedestre, e a integração modal mostra avanços pífios.

Em resposta a essa situação, os candidatos continuam propondo mais do mesmo: corredores e auditoria nos contratos de concessão. Talvez as novidades, ainda tímidas, sejam a tarifa zero e os veículos elétricos e/ou combustíveis menos poluentes. Ninguém propõe mexer na forma como o sistema funciona, a chamada governança.

É muito difícil encontrar evidências de que investimentos em transporte resultem em ganhos eleitorais. No entanto, a implementação do Bilhete Único em 2004 beneficiou diferentemente as zonas da cidade, tornando possível estimar se houve ganho eleitoral para um dos benefícios desse bilhete: a possibilidade de integração gratuita.

Essa medida permitiu economia de R$1,70 por integração às pessoas que precisavam tomar dois ou mais ônibus no sistema anterior. O benefício atingiu cerca de 5% dos eleitores (em geral na periferia, como mostram os mapas abaixo), alterando a decisão de voto a favor de Marta Suplicy, então prefeita, em 6,8% desses votos. Como a parcela de beneficiários em termos monetários foi pequena, o ganho eleitoral foi de apenas 0,34 pontos percentuais dos 35,8% de votos que Marta obteve no primeiro turno em 2004. De qualquer forma, mesmo o efeito sendo relevante entre beneficiários, o pequeno efeito geral talvez explique a falta de imaginação dos candidatos para o setor.

Pode-se dizer que o Bilhete Único e as mudanças ligadas ao Plano Interligado foram as últimas mudanças relevantes no sistema de transporte por ônibus em São Paulo. O fato de não se cobrar por integração era chave para permitir a racionalização da rede de transportes, que implicaria aumento do número de conexões. De quebra, conseguiu acabar com os antigos perueiros que, ao entrarem no sistema, estenderam o benefício a seus usuários. O sistema se tornou mais eficiente e, mesmo não reeleita, Marta teve algum ganho eleitoral com o Bilhete Único, ainda que marginal no total de votos.

Essa análise histórica pode nos ajudar a entender a pobreza das propostas dos candidatos, que podem até piorar o sistema caso eleitos. Por exemplo, mesmo sem discutir a origem dos recursos para financiar a tarifa zero, tal proposta geraria distorção grande na precificação do setor. Se o dinheiro não vier “da viúva”, toda a população deve pagar por essa política pública, inclusive quem anda a pé ou de bicicleta. Como toda a população teria direito ao benefício, independentemente da sua renda, essa seria uma política social sem foco.

Duas propostas que poderiam mudar a mobilidade urbana são um vale-transporte universal, para garantir que ninguém gaste mais do que 6% de sua renda nesse serviço, e a criação de um pedágio urbano. No entanto, essas propostas são politicamente complicadas, pois sua execução pressuporia uma mudança de paradigmas. O resultado é um transporte urbano em crise, agravado pela pandemia. Quem assumir a prefeitura vai ter que pensar de maneira diferente como resolver esse dilema. Ainda que seja mais simples se manter acomodado.

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