A pesquisadora Cristiane Garcia Teixeira, doutoranda em história na Universidade Federal de Santa Catarina, atribui a Machado de Assis a autoria de um artigo apócrifo publicado na revista O Espelho —o que representa o achado de um trabalho ainda inédito de um dos maiores escritores brasileiros.
A autora encontrou o escrito ao estudar a revista em sua pesquisa de mestrado, publicada em 2016. Nesta semana, ela publicou um artigo no portal ArtCultura, ligado à universidade, detalhando os aspectos literários que confirmariam a autoria de Machado.
O texto é um perfil de dom Pedro 2º, imperador que governava o Brasil à época, que ocupa seis colunas das primeiras páginas de um número de novembro de 1859 de O Espelho, revista da qual um Machado de apenas 20 anos era colaborador.
O texto não tem assinatura, mas Garcia cita como evidências da autoria alguns indícios práticos –Machado ocupava o posto de redator-chefe da revista e escreveu os textos principais da maior parte das edições da publicação —fez isso em 12 dos 19 números, incluindo o perfil de dom Pedro.
Além disso, houve um recado do dono da revista, em uma edição anterior, antecipando a publicação de um "esboço biográfico" escrito pelo redator-chefe Machado de Assis.
Mas Garcia também corroborou sua tese com elementos do próprio texto. Percebeu ali o uso de primeira pessoa, como nos demais textos escritos pelo autor à época, e similaridades em sua concepção de história. "Além disso, há o negaceio, algo muito característico dele", afirma. "Dizer 'não vou falar sobre política' e em seguida fazer exatamente o contrário."
"Não é, pois, uma analyse completa da vida do Imperador, que aqui pretendemos traçar", escreve Machado no texto de 1859, que pode ser lido no site da UFSC. "Esta tarefa pertencerá mais tarde ao historiador, que, dia por dia, com o seu escalpello, aprofundar-se-há no estudo ainda das menores circumstancias."
"O historiador tem um reinado inteiro, pode apreciar os factos pelas consequencias que se seguiram, pode mesmo penetrar as intenções; tem espaço, tem vagar, convem-lhe estender-se; a nós falta espaço nas acanhadas columnas d'esta revista, falta-nos tempo, e sobretudo falta-nos um dos ramos mais proficuos para o historiador —o assumpto político. As conveniencias impõem-nos esta falta, ou antes o cálculo impõe-nos este silêncio."
O crítico literário Silviano Santiago, um dos principais especialistas brasileiros em Machado, diz que a descoberta é perfeitamente condizente com a biografia do escritor e a classifica como "extremamente importante".
Além disso, Santiago diz que o texto confirma a teoria de que o escritor foi se sofisticando ao longo da carreira, após um começo claudicante. "É extraordinário como seu percorrer literário demonstra um constante avançar em tudo, em tema, técnica, retórica. Não nasceu pronto, como outros escritores."
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.