Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes
Descrição de chapéu forças armadas

Medo que nos leva a tentar evitar golpe é parte do golpe de Bolsonaro

Motim antidemocrático se garante nos porões, usando o jornalismo como pombo-correio

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Golpe entrou no grupo, como diz o meme. Na verdade, é um frequentador intermitente de nossas conversas e pesadelos. Muitos analistas políticos, contudo, juram que desta vez a coisa é para valer, que os maus sentimentos são compartilhados por quem comanda tropas e fala em nome delas.

O fato é que enquanto dois generais bolsonaristas –mais bolsonaristas que generais–, Heleno e Ramos, oferecem uma cara pública para mais uma rodada de ameaças e intimidações a quem se atrever a contrariar o presidente, a sedição antidemocrática se garante nos porões, usando o jornalismo como pombo-correio para entregar ameaças, emitidas no conforto do off, sem que passem pelos filtros da apuração dos fatos. Sai o jornalismo de investigar fatos, entra o jornalismo de repercutir e coletar declarações.

O presidente Jair Bolsonaro participa da cerimônia de formatura da Brigada de Infantaria Paraquedista, na Vila Militar, no Rio, em novembro de 2021 - Alexandre Brum/Agência Enquadrar

Mesmo antes que este governo existisse, fumos golpistas exalavam das instituições militares, como no famigerado tuíte do general Villas Bôas, de abril de 2018, usando o nome do Exército brasileiro em evidente campanha para retirar o principal adversário no caminho de Bolsonaro. O jornalismo que o repercutiu e o STF como destinatário entenderam o rugido, a fera parecia estar nos portões.

Desde então, houve tantas promessas de que o golpe está vindo e já tem data e condições estipuladas ("voto impresso e auditável"), seguidas de reiteradas negações de intenções golpistas, que ninguém mais tem certeza se o país ainda tem o direito de demitir o presidente nas eleições de outubro, conforme o combinado.

Mas, há golpe e golpe. O governo Bolsonaro e os generais seus acólitos jogam com os dois sentidos do termo. Ameaçam um golpe em um sentido, a tomada arbitrária do poder contra as regras do jogo democrático, enquanto aplicam um golpe em outro sentido, como tramoia, farsa, embuste, logro, fraude.

O golpe como engodo é uma obra-mestra de simulação e dissimulação. É preciso simular ser muito maior e mais ameaçador do que se é; a armação consiste em vender a possibilidade de golpe como um desejo da imensidão armada dos quartéis e não um truque de alguns militares de alta patente, que encontraram na simbiose com Bolsonaro uma maneira de enriquecer na velhice.

E, se você tem vivido dias de angústia com relação ao futuro da democracia, o golpe como fraude está funcionando. O medo que nos leva a esperar, temer ou tomar providências para evitar o golpe é parte do golpe.

Espera-se que o TSE ceda, novamente, ao temor de um golpe e coloque mais cavalos de Troia, com generais na barriga, para dentro do processo eleitoral. Pretende-se que o STF recue e pare de "esticar a corda", quer dizer, abstenha-se de impor freios constitucionais aos apetites absolutistas do bolsonarismo.

Deseja-se que os jornalistas continuem caindo na cilada de todo dia telefonar para as suas fontes armadas para repercutir declarações provenientes do Poder Judiciário ou do Legislativo, contribuindo para a representação fraudulenta de que os militares são um dos Poderes da República. Não o são.
Por fim, espera-se que ninguém se atreva a apurar se quem ruge, afinal, é rato ou leão.

O bolsonarismo é golpista desde a sua origem, e as eleições de 2018 foram o maior 171 da nossa curta e confusa história republicana. Pois não é que conseguiram arrancar um cheque em branco da maior parte dos eleitores válidos para dá-lo a um sujeito desprovido de qualquer qualidade republicana, a um velho político medíocre e patrimonialista do baixo clero nacional?

Pois não é que o elemento logrou convencer mais de 50 milhões de adultos de que, apesar desse currículo, não só seria capaz de conduzir o Brasil para fora das crises política e econômica que destruíam o país, como, ao mesmo tempo, iria acabar com a corrupção, com a violência urbana e com a política tradicional?

Tudo isso à base de falsificação de informações absurdas em escala industrial sobre os adversários e por meio do tráfico de histórias de complôs e conspirações que assombraram os incautos e disseminaram o pânico moral.

Mas, afinal, o golpe virá, ou é só mais uma das enganações de um movimento político que não existe sem fraude ou engodo? Os Bolsonaros estão apavorados ante a possibilidade de, uma vez fora do regime de privilégios que a Presidência da República dá ao chefe do clã, terem que encarar as consequências legais dos seus atos. Consequentemente, farão de tudo para que nem sequer as eleições tenham o poder de tirá-los de lá.

Só não haverá um golpe, como tomada violenta do poder, se não tiverem meios para tanto. Parte desses meios, contudo, é derivada das armações e truques de cena que enganam a vista e fazem com que os golpistas, nos dois sentidos, pareçam maiores do que são.

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