Xico Sá

Jornalista e escritor, com humor e prosa. É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Também mantinha um blog no site da Folha.

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Futebol e eleição

Amigo torcedor, amigo secador, na véspera destas eleições tão passionais quanto uma arquibancada flamenguista ou corintiana, vejo o último debate dos candidatos e me lembro de uma exemplar lição do tio Nelson: "Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos".

Não mesmo. Até os que chegam com bons sentimentos no início da campanha, mudam ao longo da jornada, como vimos nesta caça ao voto. Mudam tanto que não se reconhecem no espelho. É que Narciso acha feio o Frankenstein fabricado pelo photoshop do marqueteiro.

É do jogo, dizem uns, não há nada de novo sob o sol do futebol e da política, como se recita no meu Eclesiastes de boteco. É tanto que a desordenada gritaria do Junho de 2013 vai às urnas em clima de "pianinho, pianinho", como diria o gênio Benito di Paula.

O pior é que o futebol brasileiro, em matéria de comando, não chegou ainda nem no período da redemocratização do país -a CBF é dirigida por um capacho da Ditadura, vale sempre aqui o repeteco mais óbvio. O futebol está muitas casas atrasadas. Nesse capítulo, caro Juca, não chegamos ainda sequer às boas intenções eleitoreiras que inflacionam o inferno.

Na campanha eleitoral, ainda temos alguns espasmos de pureza oportunista nos candidatos sem chances na peleja. Os que não carecem mesmo negociar com o capeta. No resto, vale, senão o mau-caratismo propriamente dito, pelo menos a esperteza travestida bondade. A famosa trairagem, para usar o glossário dos boleiros e das mesas redondas.

Futebol, política e religião não se discute. Qual o quê, meu camarada. Nunca se discutiu tanto, mesmo que a paixão cega em 140 caracteres atrapalhe o debate. Até acho que religião poderia ficar de fora do pleito, seria mais saudável para um cronista mundano. Mas como deixar de escanteio se milhões de votos são definidos no fundamentalismo das crenças?

É, amigo, o tio Nelson estava certo. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos. Literatura de autoajuda, no máximo, talvez seja possível. Se bem que, pensando direitinho, nada mais mal-intencionado na lista dos mais vendidos do que este subgênero na prateleira das livrarias -todo escritor da área pensa primeiro num autoempurrãozinho nas próprias finanças. Sem moralismo, não condenemos.

Bola na rede, voto na urna. Uma partida, porém, com ou sem caráter dos boleiros, pode estragar apenas um domingo e uma segunda-feira de zoação dos amigos da firma. Pode nos deixar, na maioria dos casos, sem apetite sexual, por exemplo, embora a moça toda fogosa tente de todas as maneiras possíveis e inimagináveis. O sufrágio eleitoral universal é diferente. Um voto, além de injustamente obrigatório, vale por quatro temporadas. Jamais é mata-mata, sempre é campeonato de pontos corridos.

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