Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Yascha Mounk

Democracia na Polônia corre perigo mortal

Na era do populismo, alimentar certezas sobre futuro político constitui ilusão perigosa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A democracia esteve em votação neste domingo (13) na Polônia

Ela sofreu uma derrota com consequências graves que se farão sentir muito além das fronteiras do país. Durante décadas, cientistas políticos enxergaram a Polônia como a grande história de sucesso da transição do comunismo à democracia.

Em nenhum outro grande país da Europa central ou do leste as instituições democráticas haviam deitado raízes tão profundas; nenhum outro tinha uma imprensa tão ruidosa e uma sociedade civil que prosperara tão notavelmente.

O líder do partido Lei e Justiça, Jaroslaw Kaczynski, celebra resultados de boca de urna na Polônia em comitê em Varsóvia
O líder do partido Lei e Justiça, Jaroslaw Kaczynski, celebra resultados de boca de urna na Polônia em comitê em Varsóvia - Wojtek Radwanski - 13.out.19/AFP

Segundo especialistas regionais, a democracia na Polônia estava “consolidada”: assim como na Itália ou no Brasil, podíamos contar que ela se conservaria estável pelo futuro previsível.

Essa narrativa começou a ser posta em dúvida quando o partido populista de extrema direita Lei e Justiça chegou ao poder na sequência de um escândalo de corrupção governamental, em 2015.    

O líder da legenda, Jaroslaw Kaczynski, começou imediatamente a atacar o Estado de direito e a limitar a independência de instituições fundamentais, como a rede de rádio e televisão pública do país.

Como destacaram observadores internacionais que vão do Parlamento Europeu ao think tank Freedom House, as reformas do Judiciário empreendidas por Kaczynski —para obrigar juízes independentes a se aposentarem e assim aumentar o controle de ministros governamentais sobre as investigações criminais— representam uma ameaça grave à democracia polonesa.

Nos primeiros anos do governo do Lei e Justiça, as instituições da sociedade civil pareciam ter limitado parte desses danos. Sob pressão de protestos, Kaczynski foi forçado a fazer algumas concessões parciais, porém significativas, em relação à independência judicial.

Parecia que os poloneses não aceitariam ver seus direitos democráticos restritos sem resistir a isso. Mas as manifestações diminuíram, e o maior partido da oposição teve dificuldade em se manter relevante.
Antes das eleições de domingo, Kaczynski prometeu ir ainda mais longe em seus ataques aos juízes independentes e à imprensa livre se seu partido saísse vitorioso das urnas.

Foi o que aconteceu. O Lei e Justiça recebeu 44% dos votos, cerca de 6% mais que nas eleições anteriores. Seu rival mais próximo, a Coalizão Cívica, de centro-direita, perdeu cinco pontos percentuais, com 27% do total.

Como o sistema eleitoral do país oferece vantagem considerável ao maior partido político, isso é suficiente para dar a Kaczynski maioria crucial na câmara baixa do Parlamento. A oposição ganhou uma maioria muito pequena no Senado, o que permitirá adiar —mas não bloquear— algumas leis. 

Ele também tem a chance de ganhar poderes de veto vencendo as próximas eleições presidenciais em 2020. Mas, por enquanto, o governo tem poder suficiente para avançar sua agenda com pouca oposição.
Como mostra o exemplo de outros governos, é frequentemente no segundo mandato que populistas conseguem assumir controle total, eliminando os centros de poder rivais.

Com o governo agora detendo poder suficiente para instituir mais reformas antidemocráticas, é provável que fique mais difícil para a oposição realizar seu trabalho. Isso terá consequências que se estenderão muito além das fronteiras da Polônia.

Nos últimos anos, a Hungria vem testando essas premissas além dos limites, mas os líderes europeus trataram esse fato embaraçoso como uma mera anomalia. Agora, porém, a impressão que se tem é que Varsóvia está pouco a pouco se transformando em Budapeste

Estudiosos presumem há décadas que a democracia é frágil em alguns países, como Ucrânia e Etiópia, mas estável em outros, como Japão ou Itália.

A Polônia, segundo a maioria desses acadêmicos, fazia parte da segunda categoria. A eleição do domingo demonstrou que essa ideia era ingênua. Nenhuma democracia está em segurança total.

Na era do populismo, alimentar certezas sobre o futuro político constitui uma ilusão perigosa —uma lição que os brasileiros têm motivos prementes para levar a sério.

 
 

Tradução de Clara Allain  

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.