Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

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Yascha Mounk

A revolta contra Evo foi justa

O populismo não cessa com a queda de ditadores, mas com o fim da polarização

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Desde que assumiu o cargo, em 2006, Evo Morales minou sistematicamente as instituições democráticas da Bolívia.

Ele concentrou a autoridade em suas mãos, denunciou a oposição em termos cada vez mais agressivos e colocou figuras leais em instituições-chave, desde a emissora pública do país a seu tribunal superior.

Nos últimos anos, Evo intensificou os ataques ao Estado de direito. Convocou um referendo para abolir o limite de dois mandatos presidenciais estipulado pela Constituição que ele próprio defendeu. Quando a maioria dos bolivianos rejeitou a proposta, Evo recorreu a um controle cada vez mais rígido das instituições, antes independentes, para garantir que pudesse concorrer de qualquer maneira.

E, quando parecia que ele não conseguiria vencer o primeiro turno das eleições, seus associados orquestraram o que a Organização dos Estados Americanos chamou de “claras manipulações” da contagem de votos.

Assim como muitos populistas de esquerda e de direita, Evo afirmava exercer o poder em nome do povo. Como seu perfil no Twitter sugere, Evo acredita que é o povo. Mas, após semanas de protestos em massa, foi sua perda de legitimidade entre a maioria de seus compatriotas que o forçou a renunciar.

O que Evo e alguns de seus apoiadores ocidentais mais crédulos descrevem como golpe é, na verdade, algo muito diferente: a prova de que os bolivianos —assim como os cidadãos de muitos outros países— rejeitam regimes arbitrários. Quanto mais eles sofrem a opressão, mais valorizam as instituições democráticas que hoje são ameaçadas por populistas em todo o mundo.

Mas isso não significa que agora o futuro da democracia da Bolívia esteja seguro. De seu exílio no México, Evo faz o possível para polarizar ainda mais profundamente o país, tornando muito difícil para um governo interino conquistar o respeito da maioria dos cidadãos. Isso torna ainda mais urgente que seus adversários sejam conciliadores.

Mas até agora eles também aprofundaram as tensões no país, escolhendo um sucessor partidário para Evo; tolerando alguns ataques violentos aos legisladores do partido dele; e exacerbando a batalha sobre o papel do cristianismo no país.

A revolta contra Evo foi justa. Mas a história nos ensina que mesmo revoltas justas podem terminar em violência ou tirania. Para garantir que sejam lembrados como heróis, e não vilões, os líderes da oposição precisam, portanto, enfatizar seu respeito pelo pluralismo político, organizar eleições livres e justas o mais rápido possível e garantir que as Forças Armadas do país não assumam maior poder político.

Apesar da incerteza sobre o futuro da Bolívia, os recentes acontecimentos em La Paz devem nos fazer esperar um futuro melhor, mais uma vez.

A população da Bolívia acabou se recusando a tolerar a perda de suas liberdades pelas mãos de um governo que sempre prometeu ampliá-las. Há boas razões para imaginar que as populações da Turquia, da Hungria e da Índia também se rebelarão contra as falsas promessas dos populistas que hoje os governam.

No apogeu das festividades globais em comemoração à queda do Muro de Berlim, essa é uma boa razão para renovar nosso compromisso com os valores básicos da democracia liberal: liberdade individual e autodeterminação coletiva. Mas também é um aviso de que a luta contra o populismo não cessa com a derrubada de supostos ditadores; para restabelecer a democracia em uma base mais segura, seus defensores precisam fazer o possível para superar a polarização que permitiu que os populistas prosperassem, em primeiro lugar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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