Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

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Yascha Mounk
Descrição de chapéu Brexit

Eurocratas esgotam estoque de confiança

UE precisa garantir que países livres nunca compartilharão soberania com ditaduras

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Após dois anos de caos e evasivas, o Reino Unido finalmente saiu da União Europeia.

E conservou posição surpreendentemente uniforme ao longo das negociações com Londres. O risco de contágio iminente parece ter diminuído.

Mas, se o brexit evidenciou a força da Europa, os últimos anos não ajudaram a resolver um problema mais profundo pouco ligado à relação da Europa com a Grã-Bretanha: a realidade de que já faz tempo que a UE se afastou dos valores sobre os quais supostamente foi fundada.

Muitos eleitores sentem que têm pouca influência sobre o que acontece em suas capitais nacionais. Esse senso de impotência é muito mais profundo ainda quando se trata de Bruxelas.

Na Alemanha, cidadãos votam em um partido nas eleições nacionais. Então os líderes dos partidos políticos do país iniciam um processo complexo de negociações para determinar quais partidos formarão o governo e quem será o chanceler. O chanceler nomeia uma série de ministros.

Finalmente, esses ministros vão a Bruxelas algumas vezes por ano, onde eles e seus pares de outros Estados membros da UE aprovam legislação com base em propostas apresentadas pela Comissão Europeia, que não é eleita.

Em princípio, o Parlamento Europeu deve ser um contrapeso democrático aos representantes dos governos nacionais que dominam o Conselho Europeu e aos burocratas que comandam a Comissão Europeia. O problema é que os eleitores mal prestam atenção ao que acontece nele.

Não estou querendo sugerir que a união não encerre benefícios. Sozinhos, países pequenos como a Suécia, ou mesmo países de dimensões médias como a França, dificilmente conseguiriam resolver problemas graves em áreas como o ambiente.

Assim, muitos europeus entendem por que precisam compartilhar sua soberania com cidadãos da Grécia ou da Alemanha.

Mas a extensão do poder hoje delegado à UE também quer dizer que faz uma diferença enorme quem está de fato sentado em volta da mesa em Bruxelas.

E, devido à ascensão acelerada do populismo autoritário na Europa, franceses ou alemães não compartilham sua soberania apenas com os cidadãos livres de outros Estados democráticos —também a dividem com candidatos a ditadores em Varsóvia e Budapeste.

E isso me leva à segunda crise de legitimidade.

Quando governantes autoritários como Viktor Orbán e Jaroslaw Kaczynski primeiro chegaram ao poder, os políticos europeus asseguraram ao público que os impediriam de concentrar o poder em suas mãos.

A realidade, porém, é que a UE já comprovou repetidas vezes ser indiferente ou ineficaz quando se trata de confrontar líderes autoritários que chegaram ao poder em Estados membros.

Nesta fase tardia, ainda não há planos sérios para expulsar da UE os países que já não são mais governados de maneira democrática.

Na realidade, é pouco provável que a capacidade desses países de votar em instituições-chaves como o Conselho Europeu jamais chegue a ser suspensa.

A Europa de hoje foi construída em grande parte por uma geração impressionante de sonhadores e estadistas. Os líderes europeus de hoje ainda gostam de evocar a memória de seus predecessores consagrados.

Mas eles acabaram por enxergar a ordem do pós-guerra como uma relíquia sagrada que deve ser conservada intocada para sempre.

Esse tipo de imobilismo pode funcionar por um tempo surpreendentemente longo. Enquanto os cidadãos em sua maioria acreditam que os políticos acabarão por resolver os problemas da UE, eles conseguem tolerar muita disfunção no presente.

Mas os eurocratas já estão há muito tempo esgotando o estoque de confiança que herdaram.

A única maneira de salvar o projeto europeu é enfrentar direta e francamente seu duplo problema de legitimidade.

A UE precisa garantir que os cidadãos de países livres nunca terão que compartilhar sua soberania com os súditos de ditaduras. E ela precisa combater o déficit democrático de longa data que permeia suas instituições.

Os sonhos dos fundadores da Europa já se realizaram, de muitas maneiras. A paz e a amizade chegaram a um continente durante muito tempo caracterizado por rivalidades e guerras devastadoras.

Todos os europeus devem sentir a obrigação de defender essa realização imensa. Mas, para isso, precisam primeiro munir-se da coragem para reconhecer, e em seguida consertar as falhas sérias que hoje criam problemas para a UE.

Tradução de Clara Allain

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